terça-feira, fevereiro 22, 2011




ENSAIO MANOHLA DARGIS E A.O. SCOTT


Cinema americano fica mais branco

A brancura do Oscar em 2011 é um pouco ofuscante.
Nove anos atrás, Denzel Washington e Halle Berry levaram Oscar para casa -ele foi apenas o segundo afro-americano a receber o Oscar de melhor ator, e ela tornou-se a primeira afro-americana a ganhar como melhor atriz.
Transformações reais pareciam ter chegado ao cinema ou, pelo menos, à Academia, que, nos 73 anos anteriores, tinha dado estatuetas a sete atores negros (a primeira, em 1940, foi dada para Hattie McDaniel pelo papel de Mammy em "E O Vento Levou").
Durante boa parte da década passada, foi possível acreditar que alguns dos velhos demônios da desconfiança e da exclusão pudessem finalmente ter sido expulsos.
Um olhar voltado aos filmes americanos de 2010 revela menos do tipo de filmes que têm impelido atores, roteiristas e diretores negros para a disputa de prêmios. Os gêneros dos super-heróis, fantasia e ação foram destituídos de cor. Os dramas urbanos foram ambientados em bairros de americanos de origem irlandesa. Mesmo o gênero das duplas de amigos homens, que possibilitou muitas aproximações interraciais desde 1958, quando Sidney Poitier e Tony Curtis foram acorrentados juntos em "Acorrentados", virou em grande medida algo de brancos com brancos.
Terá Hollywood, um suposto reduto de progressividade tão ansioso, em 2008, para ajudar Barack Obama a chegar à Casa Branca, escorregado de volta para sua tímida praxe antiga? É possível que o status do presidente de homem afro-americano mais visível e poderoso do mundo tenha inaugurado uma nova era de confusão racial -ou, quem sabe, uma crise de representação?
O cinema americano ajudou a abrir o caminho para a Presidência de Obama, ao popularizar e normalizar imagens positivas de masculinidade negra, com atores como Poitier e Harry Belafonte fazendo papéis de detetives, juízes -até mesmo de Deus.
Mas, em parte porque o cinema continua a ser uma forma de arte feita de baixo para cima, que requer capital intensivo, ele tem sido cauteloso, tendendo a reforçar os preconceitos percebidos do público, mais que a subvertê-los. Em Hollywood, a questão racial, frequentemente, tem sido um problema social a ser tratado com seriedade (e depois deixado de lado) ou então um desafio de marketing. Nos anos 1960, os estúdios se parabenizavam por fazer dramas sóbrios, de pensamento correto, frequentemente estrelados por Sidney Poitier, em filmes como "No Calor da Noite" e "Adivinhe Quem Vem para o Jantar", ambos lançados em 1967 e que receberam juntos 17 indicações ao Oscar.
Alguns anos mais tarde, afro-americanos começaram a aparecer em grau inusitado na telona e por trás das câmeras. Rostos e vozes que até então eram vistos apenas em "filmes de raça" ou filmes de arte de gente como Shirley Clarke ("The Cool World") chegaram ao mainstream. O mundo independente assistiu ao surgimento de diretores off-Hollywood como Charles Burnett, Haile Gerima, Billy Woodberry e Julie Dash.
Mas a raça no cinema americano raramente tem sido questão de avanços feitos passo a passo. Com poucas exceções, os anos 1980 foram marcados tanto por um recuo racial quanto pela consolidação da mentalidade blockbuster. Fato mais animador foi que o final dessa década foi acompanhado pela chegada de uma nova geração de cineastas negros, o mais notável dos quais Spike Lee, que tentou derrotar o sistema e então ingressou nele.
Lee e os astros afro-americanos que ascenderam nos anos 1990 e na década seguinte, especialmente Will Smith, Morgan Freeman, Jamie Foxx e, é claro, Denzel Washington, em muitos casos tiveram que carregar o ônus de representar sua raça, ao mesmo tempo em que buscavam realizar suas ambições individuais.
Na maioria dos casos, esses astros chegaram ao topo das bilheterias em histórias que não tratavam de raça, enquanto os filmes que trataram da questão de modo mais direto, como "Ali" e "Dreamgirls", em muitos casos o fizeram desde uma distância histórica segura. Era quase como se, com a ascensão de astros de cinema negros individuais, Hollywood já não sentisse a necessidade de contar histórias sobre os negros como grupo.
Esse recuo explica parcialmente a emergência de um novo cinema negro separado, com seus astros (Morris Chestnut, Vivica A. Fox), autores (Ice Cube, Tyler Perry) e gêneros próprios. O prolífico Perry tornou-se um dos diretores e produtores mais bem sucedidos de qualquer cor.
Spike Lee tem sido um dos críticos de Perry. "Temos um presidente negro e estamos retrocedendo", disse Lee em 2009. "Essa imagem é preocupante."
Terá o ambiente cultural mudado e, com a crise econômica, feito com que outro tipo de história pareça ter urgência maior?
É difícil escapar da impressão de que a questão das classes sociais voltou à tona em 2010. "O Vencedor" relata a história de irmãos boxeadores da classe trabalhadora de uma antiga cidade fabril do Massachusetts. Ambientado na região de Ozarks, "Inverno da Alma" envolve o mundo violento e fechado de produtores de metanfetamina cujos avôs provavelmente vendiam bebida alcoólica de produção clandestina.
Será a classe social a nova questão racial, então? A complexidade racial da vida americana parece ter provocado um bloqueio na imaginação coletiva do mundo do cinema. Por enquanto, apenas um filme parece ser capaz de reconhecer o homem negro comum. Foi "Incontrolável", de Tony Scott, estrelado por Denzel Washington -quem mais?

segunda-feira, março 01, 2010

As lentes de Sebastião Salgado revelam lugares quase intocados da Terra


IDADE DA PEDRA

O fotógrafo Sebastião Salgado viaja há seis anos pelo planeta em busca de formas de vida primitivas; a seguir, apresenta imagens de "Gênesis", seu último grande projeto.

Folha de São Paulo/Serafina - por Iara Crepaldi

QUARTA, 13/1/10, 12h30
Sebastião Salgado telefona –um ano e meio após o primeiro pedido de entrevista feito por Serafina– para saber se "pode ser amanhã de manhã, às 8h". Explica que tem uma reunião às 10h, voa para o Espírito Santo às 15h, depois para Paris e, na sequência, para a África, "para passar um tempinho com os pigmeus". Marcamos então para o dia seguinte, no hotel onde ele está hospedado, na avenida Paulista.

QUINTA, 14/1/10, 8h
No horário marcado ele está na recepção, de calça e camisa azul, caneta no bolso e a cabeça devidamente raspada –como faz diariamente, mesmo quando está na Patagônia ou nas ilhas Galápagos, com seu barbeador elétrico recarregado com energia solar.
A maioria das pessoas pelas quais passamos conhece o homem e seu trabalho, mas ninguém reconhece a fisionomia de um dos fotógrafos mais respeitados do mundo. Sentamos num canto, e pergunto sobre sua viagem. Sempre mexendo as mãos, Sebastião começa uma de suas longas respostas.
"Tava aqui pertinho, passei 50 dias morando num barco de 20 m e navegando pelas ilhas Malvinas, pela Georgia do Sul e pelas ilhas Sandwich [ilhas no Atlântico Sul]. Quase não vimos humanos, somente grandes populações de albatrozes, pinguins e outras aves específicas da região. Quando conseguíamos desembarcar, passávamos 15 horas andando e fotografando numa temperatura de até -12°C e com ventos de 110 km/h. Nas ilhas Sandwich [ilhas com vulcões em atividade e cobertas de gelo], tive acesso a algo grandioso, um cenário de gelo, fogo e fumaça. Imagens do início do planeta. Foi uma viagem fabulosa dentro das premissas do meu trabalho."

O COMEÇO
Em 2004, Sebastião Salgado iniciou "Gênesis", o maior projeto de captação de fotos da natureza e da humanidade de que se tem notícia. "Busco terras que permanecem iguais desde o começo da criação, humanos que representam os seres que fomos há milhares de anos." Um trabalho de oito anos, em 32 localidades, nos cinco continentes, que retrata os recantos "mais puros" do planeta, com cortes e closes feitos para aproximar o observador dos lugares e seres fotografados.
"Eu queria denunciar a destruição da natureza, mas pensei que, em vez disso, talvez fosse mais interessante mostrar o que ainda resta de mais puro no planeta e também o quanto nos distanciamos dele. Perdemos a essência da vida. Também somos bichos, todos evoluímos da mesma célula básica. Achamos que somos os únicos racionais, mas até a vegetação tem uma forma de racionalização. Nós abandonamos nossa ligação com o campo, com a natureza e estamos perdendo o planeta."
Quando a empreitada terminar, em 2012, essas imagens serão exibidas em forma de livros, DVDs, exposições. Um dos produtos derivados do "Gênesis" é um longa-metragem para o cinema, dirigido pelo amigo Win Wenders1, com trilha sonora do compositor e produtor musical Jonathan Elias2, que também será lançada em CDs.

COMO É FEITO
Em algumas de suas viagens, Sebastião é acompanhado por uma equipe de até dez pessoas, que inclui assistente, carregador pessoal, cozinheiro local (que tem acesso aos produtos típicos), intérprete, guia de montanhas (que sabe usar cordas, cruzar rios e passar por lugares quase intransponíveis) e o filho Juliano, 36 (cinegrafista que registra o making of de "Gênesis"), além de carregadores para os 50 kg de equipamento fotográfico, mantimentos e barracas para acampar.
Os meios de transporte são muitos. Helicópteros, embarcações, jipes, camelos, bicicletas, aviões, motos. "No ano passado, fizemos uma travessia de 850 km a pé pela Etiópia, em 55 dias, e usamos 16 jumentinhos para carregar nosso material. Como os animais são o único capital de seus donos, fomos acompanhados pelos 16 proprietários dos jumentinhos."
Para encarar a jornada aos 66 anos, é preciso estar em forma. "Faço muito exercício. De bicicleta, ando Paris inteira [onde o fotógrafo vive com a mulher e um dos dois filhos do casal, Rodrigo, 30, portador de síndrome de Down]. Adoro comer e adoro uma bebidinha, como todo mundo. Mas a verdadeira inteligência é a adaptação. Quando viajo, posso me alimentar quase que exclusivamente de aveia e grãos. Também levo, como dizem no interior de Minas, bala doce, o verdadeiro combustível da caminhada. Acho que a idade não é problema para ninguém, o problema é a cabeça."

A PRIMEIRA CÂMERA
Sebastião deixou o trabalho de economista na Organização Internacional do Café em 1973, para trabalhar com fotografia após viajar para a África levando emprestada uma câmera fotográfica de sua mulher, Lélia Wanick Salgado3, que sustentou a casa por alguns meses até que ele pudesse viver exclusivamente de suas fotos. "Mas não pense que eu faço dinheiro com fotografia, eu sobrevivo com fotografia", diz ele. Desde que começou a fotografar, publicou 19 livros e passou por mais de cem países.
Em 1994, Lélia e Sebastião criaram a Amazonas Images. Dirigida por Lélia, a empresa de oito funcionários localizada em Paris faz a pesquisa e a produção de todas as reportagens do fotógrafo, com ajuda de amigos e parceiros de diversas áreas (cientistas, antropólogos, escritores, músicos etc.) no mundo todo. Eles descobrem as histórias e os lugares a serem fotografados, organizam todos os detalhes das viagens e cuidam da apresentação e publicação dos trabalho de Sebastião. "Talvez seja a menor agência de fotografia do mundo, com apenas um fotógrafo."
Junto, o casal criou também o Instituto Terra, fundado em 1998 em Aimorés (interior de Minas Gerais), onde Sebastião nasceu. Eles trabalham para ajudar a região a recuperar 20% da mata nativa, formar os jovens locais como educadores ambientais, realizar pesquisas para preservação da floresta e promover o desenvolvimento sustentável no Vale do Rio Doce.
"Para mim, alguns valores são muito importantes. A ideia de comunidade, de que sou parte desse planeta, como as plantas e os outros animais. A iguana é minha prima. Eu vivo em coerência com esses valores."
Conversamos mais algumas vezes, por telefone, porque Sebastião não é um homem da tecnologia, quase não acessa a internet e dificilmente responde a e-mails.
Ele quase interrompeu "Gênesis" porque o raio-X dos aeroportos estava estragando seus filmes TRI-X, responsáveis pelo grão característico de suas fotos.
"Para não passar pelo controle eletrônico, eu andava com cartas da Kodak, tinha de falar com o diretor do aeroporto, chegar quatro horas antes do vôo, perdia vários aviões. Pensei em abandonar o projeto, mas, por sugestão de amigos, fiz alguns testes com digital e, em 2008, comecei a trabalhar nesse formato. Tive de criar uma tecnologia que se assemelhasse à que sempre usei na vida. Faço tudo em papel, não olho nada na tela. Descarregamos os cartões num computador grande, fazemos pranchas de contato para editar e daí mandamos para o laboratório refazer os negativos, com uma qualidade fenomenal. A partir desse negativo, imprimimos a fotografia outra vez em laboratório."
"Gênesis" pode ser a última grande viagem de Sebastião. Ele imagina que, até o trabalho terminar, quando estiver com 70, chegará a um limite de idade incompatível com as exigências de seus ambiciosos projetos. "Vou fazer coisas um pouco menores, mas não sei ainda o quê. De alguma forma, vou continuar, porque esses trabalhos são a minha vida."

1. "O Win [Wenders] é muito amigo da Lélia, muito amigo meu. Quando ele vai a Paris, a gente se encontra. Ele é fotógrafo também, colecionador de fotografia, tem várias fotos minhas. No mundo da imagem, você acaba tendo uma aproximação muito grande com as pessoas."

2. Jonathan Elias fez a trilha sonora de muitos filmes conhecidos. Entre eles, "Allien", "Blade Runner" e "De Volta para o Futuro". Como produtor musical e compositor, trabalhou com Duran Duran, Grace Jones e Sting, entre outros

3. Lélia Wanick Salgado, mulher de Sebastião, com quem tem dois filhos, Juliano, 36, e Rodrigo, 30. Arquiteta, ajuda na concepção e conceitualização de todos os trabalhos do marido, cuida do projeto gráfico da maioria de seus livros e da montagem de suas exposições




Fotógrafo andarilho de um planeta não revelado Sebastião Salgado finaliza o ambicioso projeto Gênesis e fala da arte que tem como ofício.


O Estado de São Paulo - Laura Greenhalg

Sebastião Salgado tem o mundo impresso na memória. E pode comprovar isso. Aos 65 anos de idade, 36 deles dedicados à fotografia, cruzou o planeta em todas as direções, inclusive emburacando-se pelos lugares mais recônditos, para compor este que já é certamente um dos maiores acervos autorais de imagens de que se tem notícia. Mas Sebastião Salgado, pasmem, garante na entrevista a seguir que está ficando velho. E que um dia pode parar de fotografar. A previsão surpreende na voz que ainda se exalta, e se transporta, ao explicar as andanças pelo mundo em busca de rostos, gestos, corpos, lugares. "Para fazer fotografia documental é preciso ter sempre a ‘vontade de ir’. E eu tenho."

Em 2004, este mineiro de Aimorés, famoso no mundo inteiro pelo que vê e dispara de sua Leica (depois pôs-se a fazer o mesmo da Pentax e agora da Canon) anunciou que passaria oito anos fotografando lugares prístinos, ou seja, paraísos terrestres habitados por agrupamentos humanos cujos laços com a natureza são ainda primordiais. E que o projeto receberia o batismo bíblico de Gênesis. Pois a empreitada vai chegando ao fim. Prestes a embarcar em um navio para a Geórgia do Sul, contornando as Malvinas, Sebastião Salgado - Tião para os próximos - está quase no fim da série de 32 reportagens fotográficas por cinco continentes, numa geografia estranha aos roteiros turísticos convencionais. Longe disso: o economista que se bandeou para a fotografia aos 29 anos, hoje admite escalar a antropologia visual.

Não o faz sozinho. Tem a seu lado a arquiteta Lélia Wanick Salgado, a Lelinha, para Tião, mulher, mãe de seus dois filhos e "minha sócia na vida". Isso diz tudo. Foi com a Leica de Lélia que começou a fotografar nos anos 70 (ambos estudavam e moravam em Paris). Foi com o apoio de Lélia que trocou de profissão (era economista da Organização Internacional do Café e decidiu procurar emprego em agências fotográficas como Gamma, Sigma e Magnum) e foi com Lélia que montou, nos anos 90, a Amazonas Images, especializada em Sebastião Salgado. É Lélia quem edita os livros de fotografia dessa grife consagrada - entre eles, Trabalhadores, Terra, Êxodos e tantos outros - assim como é Lélia quem arquiteta e controla a montagem de exposições do marido pelo mundo (dentro de alguns dias vai inaugurar uma em Tóquio). Por muito menos, Lelinha já seria "a mulher de verdade", como diz o samba famoso, só que tem mais: ela preside o Instituto Terra, um vasto e bem-sucedido projeto ambiental, concebido com o marido na região do Vale do Rio Doce.

Da experiência direta com o ambientalismo veio a vontade de fotografar o planeta em lugares onde poucos pisaram, como explicará Sebastião. Gênesis estará concluído no ano que vem e, a partir daí, começam exposições de imagens do projeto que, a depender da vontade do casal Salgado, serão eventos ao ar livre, em grandes parques, por várias capitais do mundo. As fotografias também serão tema de um filme de Wim Wenders, com trilha do jovem compositor americano Jonathan Elias. Nestas páginas, quatro imagens dão apenas uma amostra do que vem por aí. Como o grupo de índios Zo’e, do Pará, povo que hoje não chega a 280 pessoas - vistos na mata, com seus cocares brancos, em fotografia jamais divulgada. Cenas de uma beleza desconcertante para ‘ocidentais’ tão domesticados.

Foto: Sebastião Salgado/Amazonas Images

Você tem dito que o Gênesis é seu último grande projeto fotográfico. Por que estabelecer o limite?

Digo que é o último projeto desse porte. Falo de projeto que leva anos para se concretizar, com viagens às vezes muito duras, desafios como o de andar 850 quilômetros até chegar a um determinado ponto. É preciso estar muito motivado e ter enorme disposição para encarar tudo isso. Não que eu vá parar de fotografar, mas encarar projetos nessa escala já pesa na minha idade. Tento me manter em forma, faço ginástica todos os dias, cruzo Paris de bicicleta, só que chega aquela hora em que o joelho começa a não querer obedecer. Como também vai chegar a hora em que vou preferir editar o meu material, talvez esse seja o trabalho mais importante que eu tenha pela frente. Sempre trabalhei muito, produzi um volume incrível de imagens. Tenho mais de 500 mil cópias de leitura, fora a imensidão de negativos que ainda não mexi. E uma imensidão de fotos paralelas.

Como assim?

Por exemplo, Lélia e eu começamos a editar nossas fotografias de família, material feito ao longo das nossas vidas, com nossos meninos crescendo. Então, penso um dia trabalhar no meu acervo, considerando que a idade vem chegando, que eu posso vir a me repetir e que os novos fotógrafos estão aí, vamos deixar lugar para eles. Tenho pensado nisso tudo. Inclusive na pertinência dos meus trabalhos. Falo de pertinência histórica, ideológica, pessoal. Hoje só faço aquilo com o qual tenho profunda identificação.

De que suporte financeiro você dispõe ao fazer um projeto das dimensões do Gênesis?

Temos o suporte de várias publicações: Rolling Stone, Paris Match, Guardian, La Republica, entre outras. Temos o apoio financeiro de duas fundações americanas, como também da Vale, nossa parceira de longa data. Agora mesmo vou passar dois meses na Geórgia do Sul e vem sendo montado um barco para essa reportagem, partindo das Malvinas. São viagens caras desde a fase da preparação. Quando comecei a propor projetos de três, cinco anos, os parceiros não entendiam bem. Hoje creio que ganhamos credibilidade. Quando falo para esses veículos que passarei oito anos fotografando e que, de tempos em tempos, eles terão minhas reportagens, ninguém duvida de que isso aconteça.

Depois de ter fotografado intensamente nestes últimos 36 anos, de propaganda de carro à vida dos garimpeiros, como é que você definiu o escopo do Gênesis? Por que buscar os lugares intocados do planeta?

A ideia do Gênesis nasce da experiência no Instituto Terra, uma reserva ambiental que começou a surgir no momento em recomprei as terras que foram da minha família, na região do Vale do Rio Doce. Ali passamos a lidar com o tema da biodiversidade, já optando pelo reflorestamento de uma área que estava bem degradada. As primeiras 500 mil mudas foram doadas pela Vale, com quem também nos associamos para fazer um programa de educação ambiental de longo alcance, o Terrinha. Lá na região, replantamos 1,5 milhão de árvores. Então, foi lidando com esse tipo de coisa que bateu a vontade de fotografar o planeta. Desenvolvemos um conceito, elaboramos o projeto fotográfico e fomos embora. Lélia e eu fizemos um sem-número de leituras, procuramos organizações ambientalistas pelo mundo. Por exemplo, grande parte da pesquisa foi feita nos arquivos da Conservation International, em Washington. Trabalhamos ainda com o Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas, em Nairóbi, e com a Unesco. Quando iniciei o projeto por Galápagos, em 2004, estava tudo planejado para os anos seguintes.

E por que Galápagos? Tem a ver com Darwin?

Exatamente. Eu tinha vontade de entendê-lo. Já havia lido a teoria da evolução das espécies, sobre a viagem do Beagle, mas lá em Galápagos, hoje um patrimônio da humanidade, fica muito mais fácil compreender Darwin. Porque é possível conferir, visualmente, como uma determinada espécie se desenvolve de maneira diferente de uma ilha para outra. Em Galápagos você tem um microcosmos que retrata o universo. Acabei ficando por lá mais tempo do que o próprio Darwin. Ele passou 47 dias lá, eu passei 90. Tive autorização da Fundação Charles Darwin e do Parque Nacional de Galápagos para visitar todas as ilhas do arquipélago.

O que você privilegia no Gênesis: o homem, o bicho ou a natureza?

Ainda é o homem. Se você imaginar que 30 a 40% do projeto são fotos de pessoas e que a natureza tem muito, muito mais espécies, então o humano prevalece. Fotografei agrupamentos que vivem, em relação ao planeta, naquele mesmo equilíbrio dos tempos primordiais. Este foi o meu critério, por isso desisti de fotografar comunidades esquimós no Alasca ao ver que vários grupos já caçam com rifle e há chefe esquimó que tem até avião particular.

Afinal, encontrou esse humano 100% "in natura"?

Há vários grupos assim. Os mentawai, que vivem na ilha de Sumatra, na Indonésia, ainda mantêm uma relação tão forte com a natureza a ponto de fazê-la "deus". É preciso pedir permissões à natureza o tempo todo. Quando fotografo essas pessoas, às vezes preciso isolá-las do contexto para fazer um bom retrato. Posso improvisar um estúdio na mata com folhas, ou tecidos, fundos relativamente neutros. Pois para fazer um estúdio precisei tirar algumas palhas das casas mentawai. Tivemos que pedir autorização "divina" e a resposta só veio depois que a comunidade leu o futuro nas tripas dos animais, como é a tradição. Daí uma cobra entrou na nossa casa e meu assistente teve que matá-la. Pronto, os mentawai não gostaram, porque seria um aviso de que as coisas não estavam indo bem. Eles atravessam hoje um estágio evolutivo interessantíssimo: estão agora domesticando plantas e animais. Trabalhei também com os chamados bushmen, de Botswana e da Namíbia, que vivem como há 50 mil anos. São coletores-caçadores.

Sempre viaja com intérpretes?

Sim. No caso dos Zo’e, no Pará, fui com uma estudiosa da língua deles.

Existe um estranhamento quando você trava o primeiro contato com um humano que vive num estágio evolutivo tão remoto e diverso do seu?

Não. Primeiro porque, mesmo que demore um certo tempo, acabo sendo aceito ali. Como com o grupo, durmo onde o grupo dorme, me desloco com ele, enfim, passo a fazer parte desse núcleo. As reações, a maior parte delas, são previsíveis, porque são humanas, ainda que não se entenda uma conversa feita na base de estalos de língua. Eu nunca vi relações tão amorosas com os filhos quanto em grupos coletores-caçadores. Nos Zo’e, por exemplo, não existe o conceito do "não" para pôr limites nas crianças. Um dia eu estava fotografando e o indiozinho não parava quieto, não me deixava em paz, pulava pra cá, pra lá, derrubava coisas... daí eu pedi à intérprete que falasse com a mãe dele. A intérprete hesitou, mas falou. E a mãe ficou desesperada, porque não sabia me atender naquilo que eu pedia. Entre estes índios, padrões de comportamento mais maduros e responsáveis se desenvolvem naturalmente, à medida que pessoas crescem e envelhecem.

Você mostra as fotos que faz dessas pessoas para elas próprias?

Para os Zo’e cheguei a mostrar no visor da máquina digital. Para outros grupos, não, e nem terei como mandar as fotos, pois são nômades. Os índios adoraram, pois, como em todos os grupos visitados, sem exceção, demonstram grande preocupação com a estética. As mulheres, todas, andam com um espelho. E a todo momento arrumam o cocar de penas de urubu branco.

Mas são índias com espelho?

A Funai deu para eles quatro instrumentos de branco: o espelho, do qual as mulheres não desgrudam, lanterna, facão e faquinha. O caso da lanterna é interessante: porque ela já vem com pilhas e a Funai só dá outras mediante a entrega das velhas. A lanterna foi de grande ajuda, pois havia muita picada de cobra em caçada noturna.

Você se refere ao seu trabalho como reportagem e fala das fotos como documentos. Qual é o limite entre a foto documental e a foto artística?

O que é artístico? Eis o problema. Recentemente vi uma exposição de arte africana em Barcelona, num belo museu. A maioria das obras era de uso cotidiano, cestas, jarros, ferramentas agrícolas, peças que são vendidas por milhares de euros. Vá conferir no Museu d’Orsay, em Paris, os salões dedicados à arte da África e da Oceania: 90% do que é exposto são utensílios de uso diário ou religioso. Hoje aumenta o número dos meus colecionadores, minhas fotos vêm ganhando preço no mercado de arte, mas não perco de vista o que faço. Como aquela foto da invasão do MST na Fazenda Giacometti, no Paraná, numa situação-limite, às 5 da madrugada, e eu ali, com um filme de 3200 ASA, quase sem luz para operar. Fiz um documento. Um dia o MST não terá mais força, ou desaparecerá, eu mesmo vou desaparecer, mas a fotografia permanecerá. Será referência da nossa sociedade, ganhando dimensão artística. Dizer que faço foto de arte, ah, isso não rola comigo. Porque sou repórter, tenho carteira de jornalista, nossa agência, a Amazonas Images, é de imprensa.

Como você mesmo diz, cresce o número dos seus colecionadores. Sebastião Salgado virou um clássico?

Estou me tornando. No Gênesis, pela primeira vez na vida admiti fazer fotografias com número limitado de reproduções. Porque sempre fotografei pessoas em suas situações de vida, jamais tive qualquer problema com direitos de uso de imagem e sempre distribuí minhas fotos em séries ilimitadas, o que reduz muito o preço delas. Agora quero lidar com número limitado de cópias, reproduções feitas em papel platinum, caras, porém maravilhosas. Creio que esse trabalho merece. Já fizemos algumas cópias e, no futuro, pretendemos lançar as séries limitadas. Aí, sim, será a estreia no mercado de arte.

Especialmente nas fotos de paisagem do Gênesis você parece mais formal, preocupado em mostrar texturas, realçar formas, captar nuances tonais.

Fui acusado de estetizar a miséria. E sabe por quê? Porque minhas fotografias sempre foram bem compostas. Sabe de onde vêm as texturas? Do filme de imprensa que sempre usei, o TRI-X, que dá grão. Quase só fotografo na contraluz e demorei a perceber isso. Um dia a Lélia montou uma exposição minha em Havana e um professor de uma escola de artes em Cuba veio visitá-la com os alunos. Eu o ouvi dizer a eles ‘este fotógrafo aqui só trabalha contra a luz’. Daí me toquei! Fazia aquilo instintivamente, sem me dar conta de que é na contraluz que se destacam os relevos, pois a zona de luz e sombra permite criar a noção de volume. Quando você me fala das paisagens que tenho feito, não significa que esteja procurando um estetismo na natureza. É que a natureza é profundamente estética.

Dê exemplos.

Fotografei os dois vulcões mais altos da placa euro-asiática, na península da Kamchatka, na Rússia, com mais de 4 mil metros de altura. Acordo de manhã, com aquelas nuvens fantásticas no céu, aquilo me deu a impressão de estar no fundo do mar enxergando o topo de uma montanha. Vi chuva de luz em Kamchatka, tal a beleza dos raios solares atravessando aquelas nuvens. Ora, não preciso ser esteta diante desse espetáculo. Procuro registrar os prístinos, locais no mundo onde poucos pisaram, então é natural que essas imagens nos provoquem sensações fortes. Como a foto que fiz de um iceberg na Antártica, que mais parecia um castelo medieval na Escócia, no entanto, trata-se de uma escultura mutante da natureza.

Mas você concorda que algumas dessas imagens beiram o abstrato?

Pode ser. A rigor, sou um esteta desde o início, porque não se esqueça de que a fotografia é uma linguagem formal: você tem um plano, tem um fundo, tem um sistema de linhas, é preciso organizar esse negócio. O bom fotógrafo é aquele que domina as suas variáveis.

Como é que você ‘ataca’ a cena? Porque as variáveis também são externas: por exemplo, nuvens dançam no céu. As patas dos animais movem-se pelas matas.

São tempos internos distintos. Dou como exemplo a foto que fiz da mão da iguana. Eu vi aquela pata, que é uma mão na verdade, com cinco dedos e tudo. E quis fotografá-la, mas teria de ser com uma lente macro, bem de perto, para captar o detalhe. A iguana como que autorizou a foto, porque, normalmente, é bicho que não aceita aproximação a menos de 2 metros. Tive que ir me chegando, de joelhos, com delicadeza: ela me observava, eu a observava; eu avançava um pouco mais, ela sabia que alguma coisa estranha iria acontecer, mas aceitava; daí finalmente fiquei bem perto daquela mão e fiz a foto. Aí fui recuando, rastejando para trás, bem devagar. E ela me observava. Quando uma foto como esta é finalmente feita, o cansaço que bate é total. Porque, ali, o fotógrafo sabe que tem a possibilidade de fazer uma fotografia incrível, mas, numa fração de segundos, poderá perdê-la. Ou não. São extenuantes essas situações.

É o "momento decisivo" de Cartier-Bresson?

Sim e não. Esse conceito é parcialmente válido para mim, porque trabalho noutra realidade. O conceito de "momento decisivo" em Cartier-Bresson é de corte representativo: só existe aquele momento, o antes não é bom, e o depois, também não. Para mim isso não é verdade. Penso num fenômeno fotográfico feito de aproximações e ajustes, um fenômeno em evolução, com envolvimento das pessoas, dos lugares, com muitas conexões, enfim.

Quando você olha suas fotos de publicidade reconhece nelas o mesmo Sebastião Salgado do Gênesis?

Claro. Nunca fiz foto de publicidade que eu não me sentisse realmente motivado a fazê-la. Isso vale também para meus tempos nas agências Gamma, Sigma, Magnum. Quando inauguraram o aeroporto de Malpensa, em Milão, fui contratado para fazer fotos de promoção do lugar, mal aceito pela população do norte da Itália. Seriam fotos para estampar pôsteres distribuídos pelo país. Adorei a encomenda, não só porque me pagaram uma fortuna, mas porque eu tive a oportunidade de conhecer o que cerca e envolve um aeroporto. E saí fotografando. Descobri uma "cidade" que emprega 15 mil pessoas. Tem de tudo lá: do pessoal da limpeza bruta ao pessoal dos ajustes mais finos. Vi as famílias desembarcando, o encontro dos parentes, fabulosas histórias de vida. Descobri um grupo de aposentados, fanáticos por avião, que passa os dias controlando o tráfego aéreo das cercas de arame que circundam Malpensa. Propus aos meus clientes que fizessem um livro com aquele material. E toparam. Foi uma experiência genial.

Como você se sente quando dizem que só faz fotografia engajada?

Isso é um comentário limitador. Não sou um fotógrafo militante, embora me engaje profundamente naquilo que eu faço, quase como forma de vida. O que é muito diferente. Tenho minha ideologia, que pode ou não ser aceita, e fotografo tudo, da natureza ao carro da montadora, com a mesma doação pessoal.

Como é fotografar gente célebre?

Fiz e ainda faço isso. São momentos especiais. Porque peço sempre um tempo maior para fazer portraits, não aceito correrias. Como no caso do retrato do Bill Clinton para a Vogue americana. Pedi uma semana com ele, se não fosse assim, nada feito. Muitas vezes fiquei amigo dos fotografados. Como no caso do Italo Calvino. O New York Times pediu um retrato dele, viajei até Roma, me instalei num hotel e fui para a casa do escritor. Apertei a campainha, Italo veio até a porta e perguntou se eu era o fotógrafo do Times. Daí indagou quanto tempo eu precisaria para o serviço, já dizendo que uma hora estaria de bom tamanho. Eu expliquei: "Não, preciso de três dias." Ele reagiu de pronto, disse que jamais daria três dias da vida dele para mim ou para o Times. E eu rebati, então não dá para fazer. Estávamos nessa discussão quando chegou a mulher dele, uma argentina decidida, e botou ordem no pedaço. Não só ordenou ao Italo que ficasse à minha disposição o tempo que fosse preciso, como ordenou que eu me mudasse para a casa deles. Fotografei-o em casa, pelas ruas de Roma, fui para a casa deles em Paris, assim nasceu uma amizade que durou a vida inteira do Italo. Retrato precisa de tempo. E quem me pede para fazer um já sabe disso.

E a sua fidelidade ao preto e branco? Justamente por andar pelo mundo fotografando paraísos, muita gente lhe cobra a foto em cor.

Preto e branco é o que sei fazer. E não sou o único. Tem uma porção de fotógrafos que continuam fiéis a isso. Vou citar apenas um: o Cristiano Mascaro, que é um megafotógrafo, só produz em preto e branco. Não sei fazer o que ele faz, mas tanto ele quanto eu nos identificamos com essa abstração. No P&B aprendi a lidar com densidade, a controlar a revelação, a fazer minhas reproduções e mesmo hoje, já inteiramente adaptado à tecnologia digital, sigo no mesmo caminho. Tanto que programo a máquina digital de tal forma que, através dela, só vejo em preto e branco. O descarte da cor se dá logo no início. Passei a minha vida aperfeiçoando, não vou abandonar isso agora.

No entanto, você fez a passagem da máquina analógica para a digital com tranquilidade.

Só mudei o suporte, porque o processo continua rigorosamente o mesmo. Trabalhei quase toda a minha vida com Leica, depois, como precisava de negativos maiores, passei para Pentax. E agora fotografo com Canon. Mas, digitais ou analógicas, as máquinas são as mesmas, como as lentes também.

Por que diz que o processo não mudou?

Explico: fotografo em digital, daí tenho dois assistentes que descarregam os cartões lá em Paris e preparam para mim os contatos. Só então começo a seleção de imagens, porque não sei vê-las em computador, necessito ter os contatos e os meus, sinceramente, são lindos. Bom, edito os contatos, tenho um assistente só para fazer as cópias de leitura, e daí entram outros dois assistentes, responsáveis pelas cópias finais. Sobre essas cópias fazemos negativos, pois se por acaso perder imagens no armazenamento digital, tenho lá meus negativos muito bem guardados.

A tecnologia da imagem poderá um dia subjugar o olhar do fotógrafo?

Não creio, principalmente num trabalho como o meu, que é jornalístico e depende da iniciativa pessoal. Só faz fotografia documental quem tem aquela "vontade de ir". Isso é fundamental. O resto são as tais variáveis que devemos aprender a dominar. Muitas vezes acordo de pesadelos em minha casa, em Paris, sem saber onde estou. Isso me dá aflição. Mas quando me encontro num canto remoto do mundo, a sensação que tenho é a de saber exatamente onde estou.

E a manipulação de imagem, hoje tão mais fácil, tão mais imperceptível e tão mais incontrolável no mundo digital? Isso é um pesadelo para você?

Mais ou menos grosseiras, manipulações de imagem sempre existiram, por que vou me preocupar com isso? A verdade do fotógrafo é aquela fração de segundo. Se fizerem manipulação sobre isso, então não estaremos mais falando de fotografia. Daí nem me compete opinar.

domingo, dezembro 06, 2009

Os melhores filmes latino-americanos da década

O site Cinema Tropical publicou uma lista dos melhores filmes latino-americanos dos anos 2000. Os votantes são críticos, teóricos, professores, pesquisadores e profissionais de Nova York. Não tenho como reclamar do primeiro lugar. O Pântano, de Lucrecia Martel foi um dos filmes argentinos que mais me impressionaram em todos os tempos. Martel, por sinal, teve seus três longas entre os dez primeiros da lista. O quarto lugar para Cidade de Deus é uma aberração maior do que o segundo lugar para Amores Perros, do Iñarritu. O Brasil ainda está representado por vários filmes bons (Ônibus 174 em quinto, Madame Satã em 14º, Edifício Master e O Céu de Suely em 27º, Tropa de Elite em 47º, Jogo de Cena em 22º), e só um deficiente entre os 50 primeiros (Santiago em 20º). Aqui, o link para uma entrevista com a campeã - http://www.bombsite.com/issues/106/articles/3220 - e a lista (os 25 primeiros) para maiores discussões:

1) La Ciénaga (2001) Lucrecia Martel
Argentina

2) Amores Perros (2000) Alejandro González Iñárritu
Mexico

3) Luz Silenciosa / Silent Light (2007) Carlos Reygadas
Mexico

4) Cidade de Deus / City of God (2002) Fernando Meirelles
Brazil

5) Ônibus 174 / Bus 174 (2002) Jose Padilha, Felipe Lacerda
Brazil

6) Y Tu Mamá También (2002) Alfonso Cuarón
Mexico

7) Whisky (2004) Juan Pablo Rebella, Pablo Stoll
Uruguay

8) La mujer sin cabeza / The Headless Woman (2008) Lucrecia Martel
Argentina

9) La niña santa / The Holy Girl (2004) Lucrecia Martel
Argentina

10) El laberinto del fauno / Pan's Labyrinth (2006) Guillermo del Toro
Mexico

11 Nueve Reinas / Nine Queens (2000) Bielinsky
Argentina

12) Bolivia (2001) Caetano
Argentina

13) La nana / The Maid (2009) Silva
Chile

14) Madame Satâ (2002) Ainouz
Brazil

14) Japón (2002) Reygadas
Mexico

16) Historias mínimas / Intimate Stories (2002) Sorín
Argentina

17) La libertad (2002) Alonso
Argentina

18) La teta asustada / The Milk of Sorrow (2009) Llosa
Peru

19) Diarios de motocicleta / The Motorcycle Diaries (2004) Salles
Argentina

20) XXY (2007) Puenzo
Argentina

20) Santiago (2007) Salles
Brazil

22) Jogo de cena / Playing (2007) Coutinho
Brazil

23) El violín (2005 Vargas
Mexico

24) Lake Tahoe (2008) Eimbcke
Mexico

25) Los Rubios (2003) Carri
Argentina

Livro destaca 'era de ouro' de Hollywood na década de 70

Obra mostra como os cineastas tomaram o poder dos grandes estúdios americanos há 40 anos

Ubiratan Brasil, de O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - Tudo começou com uma rajada de balas e terminou com um inferno disfarçado de paraíso - entre Bonnie e Clyde, lançado em 1967, e O Portal do Paraíso, de 1980, o cinema americano viveu seu último apogeu criativo, construído por jovens talentos como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, George Lucas, Steven Spielberg e vários outros. "Se alguma vez houve uma década de diretores, foi a de 1970", sustenta o jornalista Peter Biskind, que fez inúmeras pesquisas e entrevistas para escrever Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock’n’roll Salvou Hollywood: Easy Riders, Raging Bulls, que a editora Intrínseca lançou no fim de semana, com preciosa tradução de Ana Maria Bahiana.

Publicado originalmente em 1999, trata-se de um retrato meticuloso e escabroso de como uma geração de cineastas assumiu o controle da produção cinematográfica americana depois da falência dos grandes estúdios. Rapidamente batizado de Nova Hollywood pela imprensa, o movimento, além de legar um conjunto de filmes históricos, ensinou muito sobre o atual funcionamento de Hollywood.

O ano de 1969 marcou o início de uma recessão de três anos, com uma queda vertiginosa na venda de ingressos. "A Noviça Rebelde foi o derradeiro suspiro dos filmes "para toda família", e nos cinco anos seguintes a Guerra do Vietnã cresceu de um pontinho no mapa em algum lugar do Sudeste Asiático a uma realidade que podia roubar a vida de qualquer garoto, até mesmo do seu vizinho", escreve Biskind.

Assim, diante da hemorragia financeira do fim da década, um novo grupo de executivos estava consideravelmente mais inclinado a correr riscos que seus predecessores, oferecendo condições inigualáveis para os jovens criadores.

A porta estava aberta, portanto, para bandidos heróis (Bonnie e Clyde), família de mafiosos (O Poderoso Chefão), a deterioração mental de um homem violento (Taxi Driver), lunáticos médicos de guerra (M.A.S.H ) até que o estrondoso sucesso de Guerra nas Estrelas (produção de 9,5 milhões de dólares e faturamento de 100 milhões em apenas três meses) e o retumbante fracasso de O Portal do Paraiso (custou 50 milhões de dólares e faturou 1,5 milhão) permitiram que os executivos retomassem as rédeas e criassem um estilo de produção mais cauteloso e menos original. Sobre a ascensão e queda daquela geração, Biskind respondeu, por e-mail, às seguintes questões.

Estado: Os diretores foram culpados pelo fim daquela era criativa?

Biskind: É difícil usar a palavra "culpa". Os diretores certamente não ajudaram ao consumirem muita droga e gastar muito dinheiro. Mas sempre considerei os poderes econômicos, sociais e políticos, decisivamente influentes. Os grandes blockbusters (O Poderoso Chefão, O Exorcista, Tubarão, Guerra nas Estrelas) mudaram tudo. Eles ressuscitaram os estúdios, que então voltaram a se afirmar, aumentando o problema dos diretores ao focarem nesses blockbusters. A Paramount abriu o caminho, retomando o poder que os estúdios foram obrigados a repassar aos diretores. Ao mesmo tempo, o marketing mudou - tornou-se muito mais caro estrear um filme, principalmente por conta do custo de anúncios em TV e nas centenas salas de exibição. E, uma vez terminada a Guerra do Vietnã, com o recrutamento tornando-se coisa do passado, o público dos grandes filmes dos anos 1960 e 70 tornou-se adulto e arrumou emprego. E os garotos que vieram em seguida não estavam nada interessados naquele cinema.

Estado: Quando dirigiu Guerra nas Estrelas, George Lucas suspeitava que o filme seria um tremendo sucesso além de revolucionário?

Biskind: Realmente, não acredito. Ele contou que estava em férias no Havaí e viu longas reportagens sobre o filme na televisão. Ele tinha uma visão profética, no entanto, sobre o cansaço do público em acompanhar tramas complexas como as dirigidas por Robert Altman e Arthur Penn. Lucas percebeu que a plateia queria apenas se divertir por meio de simples universos morais divididos entre chapéus brancos e negros, Luke Skywalker e Darth Vader.

Estado: Como você analisa o estado atual do cinema americano?

Biskind: Muito ruim. Os estúdios produzem caríssimos filmes baseados em quadrinhos e os independentes, que supostamente deveriam segurar as pontas, praticamente desapareceram. A maioria dos estúdios fechou seus departamentos de produções independentes neste ano e os filmes que ainda estão sendo realizados são insípidos e tediosos. Participei do Festival de Nova York e, dos longas a que assisti, salvaram-se apenas os estrangeiros.

Estado: Seu livro foi originalmente publicado em 1999. Que alterações faria se o escrevesse nos dias atuais?

Biskind: Continuo por trás do livro. Desde que ele foi publicado aqui, houve uma certa folga, com algumas pessoas garantindo que os filmes realizados nos anos 1960 e 70 não eram tão bons assim, o que considero uma tremenda bobagem. Foi uma era de ouro e, a julgar pelo atual caminho do cinema, a última. Um detalhe que deixei de lado e que poderia entrar agora é o surgimento das agências de talento nos anos 1970, que tiveram um grande impacto nos 80 e 90 na forma como Hollywood faz cinema. Escrevo agora um artigo para a revista Vanity Fair sobre um agente chamado Freddie Fields, que dirigiu a agência CMA de 1965 a 1975, período em que influenciou enormemente quem fazia cinema na época e nos filmes que realizavam.

Estado: Enquanto a década de 1970 foi a era de poder dos diretores, as seguintes foram dominadas por produtores, distribuidores, homens do marketing. Artistas não sabem cuidar de uma produção ou o poder de um orçamento fala mais alto?

Biskind: Historicamente, os estúdios comandaram o show. Filmagens e publicidade são muito caros, portanto o dinheiro determina, ainda que a revolução digital tenha barateado os custos de produção e novos métodos de distribuição, como por exemplo a internet, tenham feito o mesmo pelo marketing. Os estúdios retomaram o poder nos anos 1980 e recuperaram uma força tal que provocaram uma reação dialética, conhecida como "cinema independente dos anos 1990", que mudou as regras do jogo. Os estúdios, então, cooptaram aquele movimento a tal ponto que o que eles produzem hoje não passa de porcaria. Cineastas, com raras exceções, não são talentosos nem para controlar orçamentos, tampouco para cuidar do próprio trabalho, daí o motivo de termos filmes tão longos nos dias atuais. Essas duas funções teoricamente deveriam ser realizadas por produtores.

Estado: Um fato notório que não consta em seu livro foi a separação entre o produtor Harvey Weinstein e o diretor Martin Scorsese, que influenciou negativamente a realização de Gangues de Nova York.

Biskind: Foi basicamente a colisão entre a ideologia autoral, aquela que pregava "os diretores é que são bons", dos anos 1970, com as regras impostas nos 1990, conferindo o domínio para produtores e distribuidores. Essencialmente, Scorsese saiu vencedor, o que significa dizer que o filme é excessivamente longo, e Harvey, que se destacava pela interferência no trabalho dos cineastas, usurpando suas prerrogativas, ironicamente falhou ao conter e/ou intimidar o diretor, uma vez que o filme se beneficiou de uma cirurgia radical.

Estado: Como é possível analisar o atual cinema americano: sua força se deve a fatores econômicos ou há uma influência em seu estilo?

Biskind: Não se pode separar aspectos econômicos do estilo. Não existe algo como um cinema de pobreza, com um perfil muito próprio, e outro de riqueza, também com um estilo distinto. Hollywood pratica o cinema da riqueza e, nos Estados Unidos, mesmo no que se acostumou chamar de "independente", é preciso ostentar essa pujança na produção em forma de maciez na linguagem, sofisticação estilística, embora um filme que atualmente faz sucesso por aqui, Precious, sobre a periferia negra, seja muito irregular, algo parecido com o brasileiro Cidade de Deus, que, na verdade, é só um pouco irregular. De uma maneira geral, não há muita tolerância aqui para filmes como Gomorra. Preferimos O Poderoso Chefão, uma fantasia.

sábado, dezembro 05, 2009

Telas impressas levam filmes para a embalagem de produtos



Redação do Site Inovação Tecnológica - 04/12/2009

Telas impressas levam filmes para a embalagem de produtos
Em vez de simples rótulos que, ainda que coloridos e criativos, são sempre estáticos, as embalagens poderão conter animações e até filmes.[Imagem: IMEC]

Brevemente, as indústrias terão um recurso a mais para tentar convencer os consumidores a comprar seus produtos.

Em vez de simples rótulos que, ainda que coloridos e criativos, são sempre estáticos, as embalagens poderão conter animações e até filmes.

A possibilidade surgiu a partir dos desenvolvimentos da eletrônica orgânica, que está permitindo a fabricação de circuitos eletrônicos, principalmente telas, por processos similares ao da impressão.

Embalagens com filmes e animações

A primeira empresa especializada na fabricação de telas para embalagens, que permitirá a criação dos rótulos animados, acaba de ser criada na Europa.

A Lumoza é uma empresa emergente criada pela universidade holandesa de Hasselt, em colaboração com o instituto de microeletrônica IMEC e com a empresa Artist Screen.

A tecnologia empregada pela Lumoza para a impressão de telas eletrônicas combina uma tinta eletroluminescente com um circuito eletrônico que controla a sequência e a temporização das animações.

O resultado é uma animação de computador que pode ser impressa em virtualmente qualquer tipo de superfície, incluindo as caixas plastificadas usadas pela maioria dos produtos. Depois de impressa, a tela pode ser dobrada, enrolada e até mesmo ser utilizada para embrulhar outro produto, sem perder a funcionalidade.

Capas para DVDs

Mas as embalagens de produtos não representam a única possibilidade de uso das telas impressas. Como a tecnologia funciona para impressão em grandes áreas, as telas poderão ocupar tetos, cartazes, roupas, veículos e outdoors inteiros.

"Nesta primeira fase, nós estamos focando a indústria de propaganda e de embalagens. A indústria de capas para DVDs também já demonstrou interesse. No longo prazo, vislumbramos aplicações mais duráveis, como na indústria da construção," explica o pesquisador Wouter Moons, um dos criadores da empresa emergente.

Filme com instruções de uso

Embora chegar ao supermercado e se deparar com uma prateleira repleta de embalagens com animações, totalmente poluída visualmente, possa não surgir como um quadro muito agradável, abrir a caixa de um produto e assistir às instruções para a sua montagem na própria caixa pode ser bem útil.

Como toda empresa emergente, somente os clientes em potencial - e, em última instância, os consumidores - poderão dizer se o que é tecnologicamente viável se tornará também um sucesso de mercado.