segunda-feira, março 30, 2009

Cinema - Lançamento

"Che foi meu personagem mais díficil"

Premiado pelo papel do guerrilheiro no longa de Steven Soderbergh, Benicio Del Toro diz que a obra "respeita a história'

À Folha, ator afirma que se vê em Rodrigo Santoro, intérprete de Raúl Castro no longa, e conta que tem planos de se tornar diretor


Divulgação

O ator mexicano Demián Bichir, como Fidel Castro, e o porto-riquenho Benicio Del Toro, como Che, discutem a estratégia da Revolução Cubana, em cena do filme

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Como se sente sendo um símbolo?", pergunta a repórter de TV ao guerrilheiro Ernesto Che Guevara (Benicio Del Toro), em "Che", épico do americano Steven Soderbergh, cuja primeira parte -"O Argentino" (2h06)- estreia hoje no Brasil.
É 1964, e Che está em Nova York, onde desafiou a assembleia da ONU com um discurso afirmativo da Revolução Cubana, incluindo a execução de dissidentes: "A pátria ou a morte!". Del Toro, 42, nascido em Porto Rico e criado nos EUA, fala sobre como foi dar corpo ao símbolo Che, na entrevista a seguir, feita durante a Mostra de Cinema de São Paulo, em outubro passado.

FOLHA - Notou diferença ao interpretar um personagem que de fato existiu em relação aos ficcionais?
BENICIO DEL TORO -
É diferente, pela responsabilidade com a história. É mais rígido. Você não pode sair da raia, porque as raias da história se mantêm. Em "The Wolf Man" (o homem-lobo), que fiz depois, podia inventar tudo. Se quisesse ficar de ponta-cabeça e falar, podia. Com Che, isso não é possível, porque se trata de um personagem histórico e nós decidimos respeitar a história.

FOLHA - Alguns críticos avaliam que esse é "o" personagem de sua carreira. De um lado, é um elogio; de outro, soa como uma aposta de que tudo o mais será menor em seu percurso. Como se sente a respeito?
DEL TORO -
Sem dúvida é o papel mais importante, o mais difícil, o mais compromissado que fiz até agora -por ser latino-americano e pelo momento que vivemos. Mas não é o papel da vida de alguém, porque a vida dá voltas e a gente tem vontade de fazer outras coisas, além de ser ator. Ainda quero fazer meus próprios contos e, em algum momento, trabalhar como diretor.

FOLHA - Em que sentido esse foi seu trabalho mais difícil?
DEL TORO -
Foi o mais difícil não apenas física, mas intelectualmente. O discurso dele diante das Nações Unidas é quase shakespeariano. É um espanhol muito intelectual, por isso é difícil. Esse personagem exige uma fusão de talentos, como se você tivesse que ser Gregory Peck e Steve McQueen, juntos. Outra coisa difícil foi a pesquisa. Como os atores gostam de fazer pesquisa, neste caso era um trabalho infinito. Sei muito sobre Che na fase que o filme abarca. Mas você me pergunta o que sei sobre a vinda dele ao Brasil [em 1961] e me dá vontade de ligar para os pesquisadores em Cuba e perguntar.

FOLHA - Durante essa pesquisa para o filme, você tentou conversar com o pintor Ciro Bustos, apontado como delator de Che?
DEL TORO -
Não. Não tentamos contatá-lo e não houve uma razão especial para isso. Tivemos bastante contato com Debray [Régis, filósofo marxista francês, entusiasta da guerrilha], com Benigno, com Urbano e com Pombo [guerrilheiros que escaparam ao cerco a Guevara]. Faltou um [Bustos]. Conheço bem a história dele, sei que passou por muita coisa. Não o julgo nem tampouco o filme o julga. É muito difícil acusá-lo de traidor. Ninguém sabe como se comportaria sob tortura. Respeitamos isso, de uma maneira muito humana. Agora, que ele fez os desenhos [de Che na selva boliviana, que estavam em poder dos militares que assassinaram o guerrilheiro] é um fato. Não se pode negar e isso está no filme.

FOLHA - Quanto de seu desempenho como Che se deve à direção de Steven Soderbergh?
DEL TORO -
Pelo menos 50%, porque muitas vezes não estou atuando; estou reagindo. Steven vai tão rápido que, às vezes, você não pode atuar. Ele vai te dar uma ou duas chances [para acertar]. Então, é melhor reagir do que atuar, porque senão você pode exagerar na atuação.

FOLHA - Das vezes em que foi a Cuba pesquisar sobre Che, quantas encontrou-se com Fidel Castro?
DEL TORO -
Uma.

FOLHA - Como foi o encontro?
DEL TORO -
Curto. Havia uma feira de livro. Eu iria embora no dia seguinte. Recebi um telefonema. Fui. Encontrei Fidel e Hugo Chávez. Foi curto. Ele sabia do trabalho que estávamos fazendo. Ficamos de conversar sobre Che quando eu voltasse. Mas, quando voltei, ele já estava doente. Pelo menos estive com ele, o vi...

FOLHA - O que você achou da atuação do ator mexicano Gael García Bernal como Che em "Diários de Motocicleta" (2004), dirigido por Walter Salles?
DEL TORO -
Muito boa. Gosto muito. Mas o Che de Gael é um Che diferente, porque está se formando. Por isso gosto tanto, por ser um Che de outra época. Não sou o mesmo Benicio Del Toro de quando tinha 18 anos. Há coisas que ficaram, mas não sou a mesma pessoa.

FOLHA - Qual é sua opinião sobre Rodrigo Santoro, que interpreta Raúl Castro no filme?
DEL TORO -
É um guerreiro. Batalha. Tem muita tenacidade e consegue o que quer. É algo que também tenho. Eu me vejo muito nele. Eu sou Del Toro. Ele é San-Toro. Temos essa coisa de ser cabeça-dura. Os guerreiros são os que vencem.

CINEMA/ESTREIAS

Crítica/"Che"

Biografia desafia tabus de Hollywood e busca a verdade por trás do guerrilheiro

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Em "Che", o prazer vem em grande medida da coincidência entre o mito e o filme. Steven Soderbergh vê Ernesto Guevara como o seu tempo o enxergou: jovem intrépido, idealista, inteligente, acima da pátria. Em suma, um revolucionário, o revolucionário latino-americano por excelência num tempo em que isso dizia alguma coisa.
"Che" funciona antes de tudo por contraste. Trata-se de mostrar alguém disposto a mudar o mundo, que fazia disso o sentido da existência mesmo que à custa da própria vida. Ainda há algo mais: o reencontro com uma época em que esse tipo de ideal não era uma aberração.
E daí? -pode-se sempre objetar. Com o marxismo fora de combate, o reencontro com um personagem como Che seria inócuo, desprovido de eficácia política. Pode ser. Mas política não é tudo na vida. A verdade é mais. E a empreitada consiste em aproximar mito e fatos, em buscar a verdade de Guevara.
Aqui, encontramos o Che em dois tempos: antes e depois da vitória da Revolução Cubana. Ele começa como um médico disciplinado, mas já líder cuja responsabilidade cresce até tornar-se comandante da guerrilha de Fidel Castro. Depois da vitória, torna-se ministro e responsável por defender Cuba na ONU, quando as Américas unem-se para combatê-la.

Aventura
O filme é um desafio a vários tabus hollywoodianos. O primeiro, biografar sem prejulgamentos um líder político contrário aos EUA. Ou seja, esse Che não é homem admirável pelo seu idealismo e condenável pelas suas crenças. Os dois vão juntos. Ou os mais de dois: o médico, o revolucionário, o estrategista e, por que não, o galã por quem as mulheres ficavam caídas. O segundo tabu não é mais simples de vencer: cercar-se de atores latinos e filmar na língua certa, espanhol.
Estamos no reino da aventura, como em "Onze Homens e um Segredo". Só que agora não se rouba um cassino: toma-se o poder. Não é inconsequente este movimento: existe um bocado de aventura a recuperar na revolução. Nesse sentido, é um filme da euforia: quase o "Cantando na Chuva" de um século que se abre com poucas perspectivas.
Pois o fundamento político do filme está menos nos regimes em causa do que na observação, a partir da trajetória do Che, este Prometeu moderno, de que, se a Revolução Cubana mudou nos últimos 50 anos, e não necessariamente para melhor, o resto do mundo também caminhou, e não necessariamente para frente. A que se opõe Guevara, além do capitalismo? A um mundo de especialistas, de falas autorizadas, de autoridades nisso e naquilo. Ou seja, o nosso.


CHE

Direção: Steven Soderbergh
Produção: EUA, Espanha, França, 2008
Com: Benicio Del Toro, Catalina Sandino Moreno, Rodrigo Santoro
Onde: em cartaz no Espaço Unibanco Augusta, Villa-Lobos e circuito
Classificação: não indicado a menores de 12 anos
Avaliação: ótimo


PARTE DOIS NÃO TEM DATA DE ESTREIA

"A Guerrilha" (2h11 de duração), segunda parte de "Che", enfoca os 341 dias que o guerrilheiro passou na selva boliviana, planejando a revolução naquele país, até ser capturado e morto. O diretor queria lançamento simultâneo dos filmes. No Brasil, não há data fixada para a estreia da parte dois.

Morre o compositor Maurice Jarre

PARIS, França, 29 Mar 2009 (AFP) - Maurice Jarre, compositor de trilhas sonoras de filmes que se tornaram míticos e fizeram a história do cinema, como "Lawrence da Arábia" (1962), "Doutor Jivago" (1965), e "Passagem para a Índia", (1984) faleceu na madrugada deste domingo, aos 84 anos de idade, em Los Angeles (Estados Unidos), anunciou à AFP seu filho, Jean-Michel Jarre, confirmando a notícia divulgada pelo site Purepeople.

Maurice Jarre nasceu em 13 de setembro de 1924 em Lyon, na França, e compôs mais de 160 partituras cinematográficas para grandes diretores como John Frankenheimer, Alfred Hitchcock, John Huston, Luchino Visconti e Peter Weir.

Famoso pelas trilhas sonoras de grandes sucessos de bilheteria, foi vencedor de três Oscars, quatro Globos de Ouros, dois BAFTA, GRAMMY, ASCAP. Possui uma estrela na calçada da fama em Hollywood Boulevard. Além de suas composições para cinema e teatro ele também compôs ballets, concertos, óperas e cantatas.

Maurice Jarre começou a se interessar pela música na adolescência, contra a vontade da família. Estudou percussão, composição musical e harmonia no Conservatório de Paris.

Jarre tornou-se diretor musical do Théâtre National Populaire da França em 1950 e compôs a música de mais de 70 obras de teatro antes de trabalhar para o cinema, onde estreou em 1952 com "Hôtel des Invalides" de George Franju.

Em 1961, foi indicado pelo produtor Sam Spiegel para trabalhar com David Lean no filme "Lawrence da Arábia". Inicialmente a música seria composta por três artistas, mas acabou totalmente nas mãos de Jarre. Depois, passou a colaborar com mais três filmes de David Lean: "Doutor Jivago", "A Filha de Ryan" e "Passagem para a Índia". Esses filmes também lhe renderam muita popularidade.

Gostava de utilizar muita percussão em suas trilhas, chegando a incluir instrumentos étnicos como a cítara em "Lawrence da Arábia", e a fujara em "A Tin Tambor". Nos anos 80 incluiu arranjos eletrônicos em sua música, e chegou a compor uma trilha totalmente eletrônica para o filme "The Year of Living Dangerously" (O ano em que vivemos em Perigo).

Entre suas composições se incluem, também,as trilhas sonoras de filmes como "Ghost", "O Homem Que Queria Ser Rei" e "Sociedade dos Poetas Mortos".

Maurice Jarre recebeu recentemente o Urso de Ouro honorífico do Festival de Cinema de Berlim, destacando-o como um dos compositores "mais importantes e ao mesmo tempo mais populares" da história da sétima arte.

"Os compositores dos filmes estão freqüentemente à sombra de grandes diretores e estrelas. É diferente com Maurice Jarre. A música de 'Doutor Jivago', como grande parte de sua obra, é famosa no mundo todo e permanece na lembrança da história do cinema", afirmou o diretor do festival, Dieter Kosslick.

O músico também se destacava pela "variedade de seus arranjos musicais" e por seu "proeminente uso da percussão".

"Seu uso de instrumentos étnicos e sua evolução em direção à música eletrônica influíram significativamente no desenvolvimento da música cinematográfica e transformaram Jarre em um pioneiro da composição para trilhas sonoras", acrescenta o texto de homenagem do Festival de Berlim.

COMEÇOU O FESTIVAL "É TUDO VERDADE".



Doze documentários brasileiros inéditos, entre longas, médias e curtas-metragens, e títulos internacionais premiados nos principais eventos do mundo, como o IDFA de Amsterdã e o Sundance, são os destaques da nova safra não-ficcional selecionada para a 14a edição do É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários, que acontece entre 25 de março e 05 de abril próximo em São Paulo e no Rio de Janeiro, com itinerância a seguir em Brasília (13 a 26 de abril). A programação completa pode ser vista no endereço www.etudoverdade.com.br

Competição

Sete documentários nacionais inéditos foram selecionados para a competição de médias/longas-metragens, concorrendo ao Prêmio CPFL/É Tudo Verdade de R$ 100.000,00 atribuído pelo terceiro ano consecutivo, e a um troféu criado por Carlito Carvalhosa.

Os títulos em disputa são:

“A Chave da Casa”, de Paschoal Samora e Stela Grisotti (SP, 68 min) – Dois momentos na vida de exilados palestinos de origem iraquiana: o cotidiano num campo de refugiados entre Jordânia e Iraque e os desafios da adaptação em suas novas vidas no Brasil.

“Cidadão Boilesen”, de Chaim Litewski (RJ, 92 min) – Um exame do financiamento da repressão violenta à luta armada no Brasil por grandes empresários, a partir da trajetória do dinamarquês Henning Albert Boilesen (1916-1971), presidente do grupo Ultra executado pela guerrilha urbana por suas ligações com a Oban.

“Cildo”, de Gustavo Rosa de Moura (RJ, 84 min) – A vida, a obra e as idéias de Cildo Meirelles, um dos principais artistas plásticos brasileiros, vencedor do Prémio Velásquez em 2008.

“Corumbiara”, de Vincent Carelli (PE, 117 min) – Em 1985, a gleba Corumbiara, no sul de Rondônia, foi cenário de um massacre de índios isolados. Desde então o documentarista Carelli luta com sua câmera contra o esquecimento. É hora de balanço.

“Garapa”, de José Padilha (RJ, 110 min) – Segundo a ONU, a fome afeta hoje 920 milhões de pessoas – dos quais 11 milhões de brasileiros. Apesar de programas assistenciais do governo, diversas famílias vivem ainda o pesadelo diário da falta de proteínas. Eis o cotidiano de três delas, no Ceará de hoje.

“Moscou”, de Eduardo Coutinho (RJ, 80 min) – Os ensaios do Grupo Galpão, de Belo Horizonte, da peça “Três Irmãs” de Tchecov, sob a direção de Enrique Diaz. Os bastidores de um espetáculo que não chegará ao palco, numa experiência catalisada pelo e para o filme.

“Sobreviventes”, de Miriam Chnaidermann e Reinaldo Pinheiro (SP, 52 min) – Diversos personagens de diferentes sexos, profissões e origens sociais relatam em primeira pessoa sua viagem particular a uma situação limite.


Para programação, clique aqui



Produtoras brasileiras vão a Cannes buscar co-produções

Programa brasileiro de incentivo a exportação leva importantes produtoras para o grande evento do mercado televisivo.

O MIPTV é um dos mais importantes eventos do mercado televisivo e acontecerá entre 30 de março e 3 de abril no Palais des Festivals, em Cannes. O encontro reunirá representantes de mais de 110 países em conferências, área de exposição e outros eventos. Mais de 13.300 profissionais de criação, produção e distribuição das mídias tradicionais às novas plataformas digitais estarão presentes.

As produtoras brasileiras Elo, Ioiô Filmes, Labo Cine, MaMo Filmes, Mixer, Prodigo, Touareg, TV PinGuim e o Festival do Rio estarão no MIPTV 2009. A participação acontece graças ao incentivo do programa Brazilian TV Producers- BTVP, que, há quatro anos, tem como objetivo promover o conteúdo independente no exterior e viabilizar co-produções e parcerias comerciais.

Os documentários, filmes, séries e animações brasileiros serão apresentados a compradores de televisão, internet, telefonia celular, IPTV, VOD e Telecom de todo mundo. As produtoras estarão no Guia do MIPTV e utilizarão o stand do Brazilian TV Producers para reuniões de negócios.

Da REVISTA DE CINEMA

Edital tem iscrição até 13 de julho, premiação será de R$ 9,3 milhões

A ANCINE comunica o lançamento do edital com as regras para a concessão do Prêmio Adicional de Renda 2009 (PAR 2009), que contempla empresas brasileiras produtoras, distribuidoras e exibidoras de filmes nacionais. O valor total do prêmio este ano é de R$9,3 milhões, superando os R$8,2 milhões destinados ano passado. A inscrição no processo de seleção deve ser feita até o dia 13 de julho de 2009. A premiação acontece de acordo com o desempenho comercial dos filmes brasileiros no mercado de salas de exibição do país.

Para a participação de empresas produtoras e distribuidoras, serão consideradas as obras cinematográficas de longa-metragem brasileira de produção independente cujo lançamento comercial no mercado de salas de exibição tenha ocorrido entre 1º de dezembro de 2007 e 30 de novembro de 2008. Já para as empresas exibidoras serão considerados os filmes nacionais lançados entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2008. Os exibidores também devem ter cumprido a Cota de Tela determinada para o ano de 2008. A íntegra do edital e outras informações sobre o PAR 2009 podem ser encontradas na internet, no endereço www.ancine.gov.br.

Realimentação da indústria

Conforme norma da ANCINE, os recursos obtidos com a premiação devem ser obrigatoriamente aplicados no desenvolvimento de novos projetos, de acordo com o segmento de atuação da empresa contemplada. Empresas produtoras, por exemplo, podem investir em desenvolvimento de projetos, complementação de recursos para filmagem, ou finalização; empresas distribuidoras podem investir em desenvolvimento de projetos, aquisição de direitos de distribuição com a utilização dos recursos na produção da obra, ou em comercialização de obras já produzidas; já empresas exibidoras podem investir o valor da premiação em automação de bilheteria, infra-estrutura das salas, complementação de renda para abertura de novas salas ou aquisição de equipamentos digitais, além de projetos de formação de público para o cinema brasileiro.

Em 2008, em sua 4ª edição, o PAR concedeu apoio financeiro para 66 empresas distintas – sendo 24 produtoras, 11 distribuidoras e 32 empresas exibidoras. O primeiro lugar da premiação para as produtoras ficou para a empresa Zazen Produções Audiovisuais Ltda. com o filme “Tropa de Elite”. Dentre as distribuidoras, o destaque ficou para a Cannes Produções S/A pela distribuição dos filmes “A Via Láctea”, “Ó paí, ó” e “O Mundo em Duas Voltas”. No caso das exibidoras, 06 salas isoladas e 11 complexos de 02 salas conquistaram o prêmio máximo, previsto no PAR 2008, de R$68.635,00.



Mickey Rourke



Comparo minha experiência à de um pugilista que vai ao treinamento todos os dias. Um dia, ele trabalha sua direita, um outro, sua defesa. […] É preciso se manter em forma se adaptando a contextos diferentes.” (Mickey Rourke)


A declaração acima foi feita em 1985, “o ano do dragão”. Mais de vinte anos depois, O Lutador apresenta Mickey Rourke no papel de Randy “The Ram” Robinson, wrestler profissional que teve seu auge nos anos 80 e agora encarna o mais típico retrato de herói decadente. Randy não se manteve em forma, não se adaptou a contextos diferentes. Numa das cenas mais significativas do filme, ele e Cassidy (Marisa Tomei) conversam num bar ao som de “Round and Round”, do Ratt, clássico do hard rock oitentista. Eles falam de como os anos 80 foram magníficos, porém se deixaram atropelar pela década seguinte. Invertem, assim, a visão habitual que identifica nos 80 uma década maldita e nos 90 uma era mais “digna”. Para eles, os 80 foram a golden age, os 90 foram tão-somente o corta-tesão, o fim precoce da festa. O mundo que viria a seguir não se mostraria nem mais combativo, nem mais criativo, nem mais inteligente, apenas menos divertido. Acabou a festa, acabou a luta, sobrou o luto.

Randy traz características dos dois grandes personagens de Rourke dos anos 80. Ele revive o existencialismo do Motorcycle Boy (O Selvagem da Motocicleta, Francis Ford Coppola, 1983) e, ao mesmo tempo, a disposição de Stanley White (O Ano do Dragão, Michael Cimino, 1985) de ir até o fim de uma luta custe o que custar. Motorcycle Boy era um ser destacado do mundo. A voz de Michey Rourke sempre trabalhou numa frequência mais baixa se comparada à de todas as outras vozes, mas quem melhor explorou isso foi Coppola: a voz sedativa do Motorcycle Boy parece descolada de seu corpo, aspecto expandido por uma composição de ambiências dissonante, onde o espaço sonoro soa praticamente estrangeiro ao espaço visual. Em O Lutador, Rourke também possui uma voz fora da frequência do entorno, porém não mais aveludada como a de seu personagem de O Selvagem da Motocicleta, e sim riscada pelo tempo. Já o capitão de polícia Stanley White, de O Ano do Dragão, era um ex-combatente para quem a guerra havia na verdade continuado, só que não mais no Vietnã e sim no cotidiano de sua profissão e de sua vida pessoal. Toda a fúria de Stanley White habita a massa corporal de Randy, embora essa fúria tenha perdido a agilidade e seja agora um corpo fibrilado, não mais o sinônimo daquela violência palpitante que se tornava – por imposição natural – o nervo da decupagem. Motorcycle Boy, Stanley White, Randy “The Ram”: homens que envelheceram antes da hora. O corpo marcado de Rourke é a materialização de sua tensão permanente com a ordem das coisas.

Para filmar um personagem assumido, de antemão, como um ser em desacordo com seu tempo, é preciso adotar um ponto de vista, digamos, cuidadoso. A história é velha conhecida de todos: abaixo de uma certa linha, o diretor cai no miserabilismo; muito acima, adere à frieza de um patologista. Um documentário sobre a energia retesada de Mickey Rourke não seria suficiente. Uma ficção comiserada e pseudo-humanista seria um desastre – além de uma perversão absoluta. Qual caminho seguir?

O começo de O Lutador é elaborado em torno do “plano de ator” mais simples – e reiterado o maior número de vezes, pelo maior número de filmes – que esta década conheceu: a câmera na mão se limita a acompanhar Mickey Rourke, que é visto de costas, enquanto ele caminha, como se o filme estivesse apenas indo onde ele fosse, tentando respirar no ritmo dele, deixando-se levar por sua cabeleira tingida de loiro. O cenário é friorento, a câmera treme ao se deslocar, jump cuts picotam a ação (esse começo parece uma mistura de Rocky Balboa com irmãos Dardenne). Logo percebemos que a forma adotada por Aronofsky dispõe de uma fraca energia de elisão, e que as supressões da montagem menos conectam as partes do que abrem hiatos. O plano se mede e se molda pelo sentimento de presença e de movimento do ator. O roupão com que o filme acolhe o personagem já está aí demonstrado. Mas quando Aronofsky precisa passar do plano-afeto ao plano-dramaturgia, suas limitações como encenador se fazem sentir.

Em duas cenas com Cassidy, sobressaem pontos baixos do filme. A primeira é o diálogo em que ela, na boate onde trabalha, fala do violento flagelo do Cristo no filme de Mel Gibson e insere Randy no tema do sacrifício (na cena seguinte, ele e seu oponente se torturam num espetáculo sanguinário e exagerado). A outra é sua tentativa de dissuadir Randy de subir ao ringue pela última vez. A mise en scène se perde, o diálogo ruim se impõe. Há cenas em que um equilíbrio – precário, é verdade, mas por isso mesmo autêntico – é atingido. Por exemplo: a explosão de Randy no supermercado. Tudo conspira para uma cena muito grosseira, desnecessária, típica virada de roteiro. A cena, no entanto – filmada de um ângulo interessante, do lado de dentro do balcão de frios onde Randy se encontra, submetendo o campo visual às reações dele –, culmina no momento em que um corpo, não conformado com o espaço que lhe foi dado, transborda seus limites (sociais, morais, biológicos). Randy decide voltar ao ringue. Ali ele reconquista um direito, ou melhor, uma ação. Ele não é mais uma anedota cult, um personagem de Nintendo, um modelo ultrapassado; é um homem que sabe determinar seu nicho e seu destino.

Randy é um grande personagem de cinema. Mickey Rourke é um axioma. Aronofsky não está à altura de nenhum dos dois, mas teve humildade suficiente para deixar a espessura emocional de Randy/Rourke impregnar o filme. Impossível negar a força do resultado.

Luiz Carlos Oliveira Jr.
TOULOUSE, França (AFP) - O filme equatoriano "Impulso" de Mateo Herrera foi o grande vencedor do 21º Festival Encontros de Cinemas da América Latina de Toulouse, no qual o curta brasileiro Atlântico, de Fabio Meira de Sousa, levou um dos prêmios da categoria.

Premiação:

Grande Prêmio: "Impulso" de Mateo Herrera (Equador)

Prêmio de Público: "El artista" de Mariano Cohn e Gastón Duprat (Argentina)

Prêmio Descobrimento: "Vil romance" de José Campusano (Argentina)

Prêmio Fipresci: "Historias extraordinárias" de Mariano Llinás (Argentina)

Prêmio Signis de Documentário: "La asamblea" de Galel Maidana (Argentina)

Prêmio Signis de Curta-metragem: "Café Paraíso" de Alfonso Ruizpalacios (México)

Prêmio "Courtoujours" de Curta-Metragem: "Atlântico" de Fabio Meira de Sousa (Brasil)



domingo, março 29, 2009

“Faço pizza, mas das boas”- Daniel Filho em duas entrevistas

Daniel Filho atira!

O diretor diz que o último filme de Walter Salles é "gelado", revela que Fernando Meirelles não ficou satisfeito com "Ensaio sobre a Cegueira" e dispara contra a TV: "Nenhum programa me atrai"

Daniel Dacorso/Folha Imagem
O diretor em seu escritório no Rio de Janeiro


As próximas semanas prometem boas notícias para Daniel Filho, diretor artístico da Globo Filmes, braço cinematográfico das Organizações Globo. Com quase 5 milhões de espectadores, "Se Eu Fosse Você 2", dirigido por ele, já é a maior arrecadação da retomada do cinema nacional e caminha para bater o recorde de público de "2 Filhos de Francisco". Feliz da vida, o cineasta, que foi diretor da TV Globo por mais de 30 anos, conversou com a coluna:


FOLHA - Seu filme está batendo os recordes do cinema nacional.
DANIEL FILHO
- "Se Eu Fosse Você 2" é um cinema de entretenimento, algo que eu sempre defendi e defendo. As grandes bilheterias do mundo são ocupadas por entretenimento popular. Até "2 Filhos de Francisco", um melodrama, não deixa de ser apoiado em dois astros sertanejos que falam da vida deles e cantam suas músicas de sucesso. Então fica a indagação para nós, que fazemos cinema: o que o público quer ver? Como a gente faz para tirar alguém de casa para ver filme nacional?

FOLHA - Os cineastas brasileiros não estão conseguindo fazer filme para os brasileiros?
DANIEL
- Ultimamente a gente tem visto que não muito, né?

FOLHA - Falta competência?
DANIEL
- Você não vai querer que eu diga isso, né? Eu mesmo, daqui a pouco, posso quebrar a cara. Mas, se você vê a minha filmografia, percebe que estou sempre buscando histórias que se comuniquem com o público. Sou até acusado por isso.

FOLHA - Falta compromisso? Porque os produtores de cinema captam dinheiro incentivado e tiram daí a própria remuneração. E não precisam fazer um filme de sucesso porque, afinal, já garantiram seus ganhos. Isso afeta?
DANIEL
- Eu acho que sim. Eu vejo muitos diretores fazendo filmes e correndo para ver se pegam o festival de Cannes, o de Berlim. "Ah, eu vou pro [festival de] Sundance, eu vou pra não sei o quê". É uma preocupação muito grande com o exterior. E eu sou o camarada que acredita no ditado: agrade a sua vila que você vai agradar ao mundo. Você tem que agradar aqui, no Brasil. O público quer ver esse filme? Ou é você que quer fazer esse filme? Queremos ser todos Godard e Glauber Rocha? A crítica aplaude esses filmes meio malditos, que têm pouco público. É uma dicotomia entre o que a crítica pensa e o que o público quer ver.

FOLHA - E o que o público quer ver?
DANIEL
- Filme bem realizado, que diverte, que te completa. E não é só comédia. Se olharmos as dez maiores bilheterias do cinema nacional em dez anos, vamos ver que existe uma variedade de assuntos. Tem duas biografias, "2 Filhos de Francisco" e "Cazuza"; temos "Cidade de Deus" e "Carandiru".

FOLHA - O que acha dos filmes nacionais recentes? "Última Parada - 174", de Bruno Barreto?
DANIEL
- Eu sou produtor associado do filme. Agora que já foi, posso dizer: é um longa bem realizado, mas não consegue atingir emocionalmente o público. O rapaz que faz aquele coitado, aquele maluco que ficou preso no ônibus, é excelente; mas não gosto da direção das atrizes que fazem a mãe, ele [Bruno] não conseguiu atingir a parte emocional daquela mãe que perdeu o filho. E o público não comprou a história dessa pessoa [Sandro, morto pela polícia ao assaltar o ônibus] que, para nós, é vista como um furioso assassino, mesmo que tenha havido erro da polícia.

FOLHA - E "Linha de Passe", do Walter Salles?
DANIEL
- Eu não gosto. É um filme gelado. Gelado. Falta afeto. Não é um bom filme do Walter, não. Ele não me leva a nenhuma emoção a não ser a de assistir e dizer: eu não me emocionei. Creio que o público achou a mesma coisa. É uma proposta intelectualizada do Waltinho para um assunto esgotado.

FOLHA - Qual assunto?
DANIEL
- A vida vem em ondas como o mar, já dizia Vinicius de Moraes. Às vezes vem a onda do filme de terror. Agora veio a onda da favela. Com o sucesso de "Cidade de Deus", todos os diretores brasileiros quiseram mostrar a preocupação social com a favela, com os desvalidos, com a ascensão do Lula, com "óóó", com... Então haja favela! Haja favela! Haja favela! E chega um determinado momento em que o povo diz: "Ah, meu Deus, eu não quero mais ver filme de favela, não. Não quero mais ver filme de traficante que mata traficante". Você não quer ver esse filme que não te conduz a nada.

FOLHA - E "Tropa de Elite", do diretor José Padilha?
DANIEL
- Não chega aos pééés de "Cidade de Deus". É um grande thriller, um filme de exército feroz bem realizado. Podia ser também um filme de exército americano invadindo o Iraque e tomando tiro dos iraquianos. Mas, se eu tiver distanciamento, eu percebo que já vi esse filme outras vezes.

FOLHA - "Tropa", que foi pirateado, teve menos espectadores que "Se Eu Fosse Você". Vocês não foram pirateados?
DANIEL
- [Rindo] Fomos. Mas nós não quisemos fazer esse tipo de publicidade. Eles [os produtores de "Tropa"] usaram isso um pouco demais, né? Um filme que venda 3 milhões de DVDs, piratas ou não, é um campeão absurdo. E eu não conheço nenhum DVD no Brasil que tenha vendido isso tudo. O pessoal exagerou. Aproveitou o embalo e partiu para a publicidade em cima.

FOLHA - E "Ensaio sobre a Cegueira", de Fernando Meirelles?
DANIEL
- Eu gosto do filme. Apesar de o Fernando ter me dito que ele achou que o filme ficou frio, eu considero...

FOLHA - Ele te falou isso?
DANIEL
- Falou, falou: "Eu acho que errei a mão, Daniel. O filme não saiu o que eu queria". Mas Fernando é hoje o melhor diretor de cinema do Brasil.

FOLHA - Você já disse que a Globo tinha que mexer na programação e afirmou que não vê mais TV.
DANIEL
- Nenhum programa na televisão me atrai, nenhum. Eu não ligo a televisão. É um cansaço meu, sei lá. Nem o "Jornal Nacional" eu preciso ver mais. Eu leio jornal, a internet te bota no dia- a-dia do que está acontecendo. Não sei o que você acha. Mas eu acredito que, pela audiência que a TV tem tido, essa sensação deve ser geral. Eu vejo a audiência dos programas caindo. A TV já foi um "must" nosso e hoje não é mais. Ficou meio morninha. Não mexe mais com as pessoas, não vejo mais dizerem: "Eu preciso ver isso". Não vejo ninguém discutindo o capítulo ou o programa exibido no dia anterior. Eu vejo isso com seriados americanos.

FOLHA - A TV ficou velha?
DANIEL
- Sem dúvida nenhuma. Eu não diria velha... Eu ainda estava na televisão em 1990, por aí, e já percebia que, com os canais fechados, a TV aberta iria virar o AM e a TV fechada seria o FM. Ou seja, a televisão tendia a se popularizar mais. E houve isso. Praticamente todas as famílias brasileiras têm hoje um aparelho de televisão. Então, mudou o tipo de público. Agora, é importante registrar: eu estou afastado [da TV]. Portanto, eu não sei com que público eles estão trabalhando, para quem estão falando nem para quem desejam falar.

FOLHA - Nem o "Fantástico", que ajudou a criar, você vê?
DANIEL
- O "Fantástico" perdeu a dimensão há muitos anos. Perdeu. Era um programa que pertencia ao meu domingo e que foi, pelas suas matérias, pela sua estrutura, me tirando dele. Agora, eu só vou em baile em que eu queira entrar. A TV tem esse problema: você pode desligar. Então eu não quero dar a minha opinião porque eu não sei com quem eles estão falando. Eu sei que comigo eles não estão falando. Tudo o que está sendo apresentado ali não me interessa.

"["Linha de Passe"] É um filme gelado. Não é um bom filme do Walter, não. Ele não me leva a nenhuma emoção a não ser a de assistir e dizer: eu não me emocionei"


"Nenhum programa na televisão me atrai. Nem o "Jornal Nacional" eu preciso ver mais [...] pela audiência que a TV tem tido, essa sensação deve ser geral"


"[Fernando Meirelles] falou: "Eu acho que errei a mão, Daniel. O filme não saiu o que eu queria"


Revista BRAVO! | Fevereiro/2009



“Faço pizza, mas das boas”


Sucesso de bilheteria com o recente “Se Eu Fosse Você 2”, o diretor Daniel Filho zomba dos que o acusam de filmar em “ritmo de televisão” e diz que suas comédias sofrem mais influência das italianas que das norte-americanas

por Maria Lucia Rangel

Daniel Filho atende o telefone com a animação de quase sempre. Desta vez, tem motivos de sobra. Afinal, o filme Se Eu Fosse Você 2, produzido e dirigido por ele, é um grande sucesso. Com Glória Pires e Tony Ramos interpretando um casal à beira da separação que troca mutuamente de corpo, a comédia estreou no comecinho de janeiro e, só nas primeiras quatro semanas, fez 3,7 milhões de espectadores. As previsões indicam que será o campeão de bilheteria de 2009 entre os longas brasileiros. É possível até que se aproxime do recorde de 5,4 milhões de espectadores alcançado por 2 Filhos de Francisco, a maior bilheteria da chamada retomada do cinema nacional.

No entanto, não é a seu filme que Daniel se refere quando aceita marcar a entrevista. Seu entusiasmo é por conta de fotos autografadas que conseguiu adquirir recentemente. "Elizabeth Taylor, Lana Turner, Clark Gable, Barbara Stanwyck, Katharine Hepburn, Fred Astaire", enumera. "Agora quero as dos músicos de jazz." Agenda a conversa para um sábado, às três da tarde. Será um almoço no Leblon, bairro da zona sul carioca onde mora há pouco tempo. "Acordo tarde", explica, rindo. "Só perco para Caetano Veloso e João Gilberto, porque o João nem acorda."

João Carlos Daniel nasceu no meio artístico. Filho de pai catalão e mãe argentina, ambos atores, fez um pouco de tudo no circo da família quando garoto. Hoje, aos 71 anos, traz no currículo 31 filmes como ator (entre eles, o polêmico Os Cafajestes, de Ruy Guerra), mais de 30 como supervisor e 11 como diretor (O Casal, A Partilha, A Dona da História e, claro, Se Eu Fosse Você, que originou a atual sequência).

Na televisão, também foi múltiplo. Interpretou o Visconde de Sabugosa no Sítio do Picapau Amarelo em 1955-1956, comandou a Central Globo de Produção, dirigiu cerca de 20 novelas e lançou seriados que se tornaram célebres, como Malu Mulher, Carga Pesada e Confissões de Adolescente. Para o futuro, não lhe faltam projetos, entre eles o filme Roque Santeiro, outro sobre o médium Chico Xavier e um longa baseado no poema O Dia da Criação, de Vinicius de Moraes.

Quando lê na internet comentários pejorativos de que é "um fazedor de pizzas", não chega a discordar. "Sim, a gente serve pizza, mas das boas."

BRAVO!: Como você explica o estouro de Se Eu Fosse Você 2?

Daniel Filho: O filme que deu origem à sequência já tinha feito imenso sucesso em 2006. Um sucesso surpreendente, na verdade. Nós esperávamos 2 milhões de espectadores, mas foram 3,6 milhões. Por que se chegou a isso? Há o fator "sorte", o fator "olho" e o fator "capricho na produção". Quando realizei o primeiro, não pensava em continuação, só que a boa receptividade do público me animou. Foi aí que tive o estalo de rodar o segundo em cima do tema da separação, já que me separei três ou quatro vezes. Fiz, então, um estudo para saber como são criadas as boas continuações. E descobri que há determinados tipos de cena que devem ser repetidos, mas de uma forma diferente — no caso, com uma nova piada para a mesma situação. Os três filmes da série O Poderoso Chefão, por exemplo, têm uma cena de massacre. Cada uma de um jeito. É uma marca da série. A mesma lógica aparece em outros filmes que tiveram continuações, como Perseguidor Implacável (ou Dirty Harry), De Volta para o Futuro e Rocky, um Lutador. As pessoas ficam me ligando à televisão, dizendo que "o Daniel expressou a TV na telona". Não, a televisão me deu o exercício do fazer, o que poucos autores e diretores têm. Mas, ao realizar meus filmes, penso em cinema, não em TV.

A química de Glória Pires e Tony Ramos também contribuiu para o sucesso, não?

Sem dúvida. O público gostou realmente do casal Helena e Claudio. A Glória e o Tony criaram uma empatia com a plateia parecida com a de Mirna Loy e William Powell, Katharine Hepburn e Spencer Tracy. O público ri até de coisas que eu não acreditava que provocariam risadas.

Você acha que seus filmes são mais parecidos com as comédias do cinema americano ou com as comédias da televisão brasileira?

Com as comédias americanas. Com Levada da Breca, de Howard Hawks, que é a bíblia de todos nós. Com Jejum de Amor, também de Hawks, que tem Cary Grant e Rosalind Russell nos papéis principais. O roteiro desse filme se estende por 130 páginas. É um dos maiores textos do cinema. Considerando-se que uma página costuma render um minuto na tela e que o filme dura 90 minutos, dá para ter uma ideia da quantidade de diálogos; um recorde. É preciso tirar o chapéu para o Cary Grant e a Rosalind, que falam sem parar e em alta velocidade, sem perder uma piada. Não creio que exista algo na televisão com esse tipo de humor. No entanto, minha maior influência são as comédias italianas, com as quais fui criado. Estou mais ligado a Alberto Sordi, Totò, Nino Manfredi, Vittorio Gassman, Ettore Scola e até Federico Fellini, um gênio muito engraçado. Prefiro que comparem minhas comédias às italianas ou mesmo a uma chanchada do que aos filmes da Meg Ryan. A participação de Chico Anysio em Se Eu Fosse Você 2 tem muito a ver com a de Totò em Os Eternos Desconhecidos.

O tratamento pouco amistoso da crítica em relação a seus filmes o incomoda?

A crítica está reagindo melhor. Se Eu Fosse Você 2 já provocou uma divisão; o bonequinho do jornal O Globo até aplaudiu. Mas, por causa da internet, crítica virou uma bobagem. Qualquer um entra na rede e dá opinião. Principalmente sobre assuntos populares, como televisão, futebol, cinema, vôlei.

Você costuma optar pela comédia ligeira por preferir o gênero ou por não se sentir tão à vontade fazendo filmes sérios?

Gosto de filmes que me envolvam, sérios ou engraçados, tanto faz. Não optei unicamente pela leveza. Primo Basílio, que dirigi em 2007, não é uma comédia nem um filme leve. Participei, ainda que de forma discreta, da produção de Cidade de Deus e 2 Filhos de Francisco, que também não são comédias, embora sejam longas bem distintos. Não me fixo em gênero, faço filmes. Não quero me comparar a cineastas como Sidney Lumet ou Michael Curtiz, mas eles são dois parâmetros consideráveis: diretores que sabem contar bem uma história, que não se preocupam em fazer um filme cabeça. Não faço filme para mim, nem para os amigos, nem para a minha família, mas para me comunicar com o maior número de pessoas. O ideal é que os amigos se divirtam junto, mas quem manda mesmo no espetáculo é o público. Meu próximo trabalho, Tempos de Paz, que já está pronto, é uma obra pesada, um drama denso, cheio de emoção. É uma adaptação da peça Novas Diretrizes em Tempos de Paz, do Bosco Brasil. Não sei se é genial, se vai concorrer a prêmios, mas é outro tipo de filme.

Em que medida trabalhar com os mesmos atores, como John Ford fazia, Woody Allen costuma fazer e você também fez agora, facilita a direção?

Ajuda muito ser íntimo e amigo dos atores. Por conhecer o Tony Ramos e a Glória Pires, achei que dariam uma boa química. Deram. Os dois são bem-humorados, muito econômicos e encaram a comédia com seriedade. Glória é aplicadíssima. No primeiro filme, ela cantou um oratório em alemão, decoradinho, por inteiro. Para o segundo, aprendeu a fazer embaixadinhas com o Sávio, ex-jogador do Flamengo.

Quais as suas funções como supervisor artístico da Globo Filmes, que coproduziu Se Eu Fosse Você 2?

Meu trabalho é mais de consultor. Era presidente da Globo Filmes, que foi criada para mim, na esperança de que eu não fizesse negócio com o Severiano Ribeiro (tradicional grupo exibidor de cinema). Mas a Marluce (Dias da Silva, então superintendente executiva da Rede Globo) foi me empurrando, me empurrando, sem falar nada. Até que saiu um novo organograma, e eu não era mais presidente. Ninguém me consultou a respeito. Mas ser presidente não é meu objetivo. O que faço é ler e apresentar roteiros. Conforme o diretor do filme, participo de forma mais ou menos intensa da produção. Deveria caber a mim a aprovação do elenco, mas a palavra final não é minha. Quando fiz os primeiros seriados globais, como A Grande Família ou Shazan, Xerife & Cia., e mesmo depois, com Plantão de Polícia, Malu Mulher e Carga Pesada, a coisa era diferente: a mão era minha, o corte final era meu.

A que você atribui o sucesso avassalador dos seriados americanos de hoje?

Sobretudo à qualidade dos roteiros. Eles são bons nisso. Em 1998, trouxe dois americanos para colaborar no roteiro do seriado Mulher, que fiz na Globo. Os primeiros 20 episódios foram escritos com eles. Um deles era Lynn Mamet, irmã do dramaturgo David Mamet. Fiz a mesma coisa com o filme A Partilha em 2001.

Como você avalia a atual teledramaturgia da Globo?

Já comentei com o Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, que comandou a Rede Globo entre 1967 e 1997), e ele concordou: nós, os velhos, não ensinamos direito o caminho das pedras aos nossos sucessores. Eles andam escorregando na gramática. A sensação que eu tenho é de um bando de bons jogadores sem técnico. A culpa é nossa.

E o que você acha da TV brasileira de modo geral?

Quase não vejo. Não me atrai, não me faz a menor falta.