Daniel Filho atira!
O diretor diz que o último filme de Walter Salles é "gelado", revela que Fernando Meirelles não ficou satisfeito com "Ensaio sobre a Cegueira" e dispara contra a TV: "Nenhum programa me atrai"
Daniel Dacorso/Folha Imagem
| O diretor em seu escritório no Rio de Janeiro |
As próximas semanas prometem boas notícias para Daniel Filho, diretor artístico da Globo Filmes, braço cinematográfico das Organizações Globo. Com quase 5 milhões de espectadores, "Se Eu Fosse Você 2", dirigido por ele, já é a maior arrecadação da retomada do cinema nacional e caminha para bater o recorde de público de "2 Filhos de Francisco". Feliz da vida, o cineasta, que foi diretor da TV Globo por mais de 30 anos, conversou com a coluna:
FOLHA - Seu filme está batendo os recordes do cinema nacional.
DANIEL FILHO - "Se Eu Fosse Você 2" é um cinema de entretenimento, algo que eu sempre defendi e defendo. As grandes bilheterias do mundo são ocupadas por entretenimento popular. Até "2 Filhos de Francisco", um melodrama, não deixa de ser apoiado em dois astros sertanejos que falam da vida deles e cantam suas músicas de sucesso. Então fica a indagação para nós, que fazemos cinema: o que o público quer ver? Como a gente faz para tirar alguém de casa para ver filme nacional?
FOLHA - Os cineastas brasileiros não estão conseguindo fazer filme para os brasileiros?
DANIEL - Ultimamente a gente tem visto que não muito, né?
FOLHA - Falta competência?
DANIEL - Você não vai querer que eu diga isso, né? Eu mesmo, daqui a pouco, posso quebrar a cara. Mas, se você vê a minha filmografia, percebe que estou sempre buscando histórias que se comuniquem com o público. Sou até acusado por isso.
FOLHA - Falta compromisso? Porque os produtores de cinema captam dinheiro incentivado e tiram daí a própria remuneração. E não precisam fazer um filme de sucesso porque, afinal, já garantiram seus ganhos. Isso afeta?
DANIEL - Eu acho que sim. Eu vejo muitos diretores fazendo filmes e correndo para ver se pegam o festival de Cannes, o de Berlim. "Ah, eu vou pro [festival de] Sundance, eu vou pra não sei o quê". É uma preocupação muito grande com o exterior. E eu sou o camarada que acredita no ditado: agrade a sua vila que você vai agradar ao mundo. Você tem que agradar aqui, no Brasil. O público quer ver esse filme? Ou é você que quer fazer esse filme? Queremos ser todos Godard e Glauber Rocha? A crítica aplaude esses filmes meio malditos, que têm pouco público. É uma dicotomia entre o que a crítica pensa e o que o público quer ver.
FOLHA - E o que o público quer ver?
DANIEL - Filme bem realizado, que diverte, que te completa. E não é só comédia. Se olharmos as dez maiores bilheterias do cinema nacional em dez anos, vamos ver que existe uma variedade de assuntos. Tem duas biografias, "2 Filhos de Francisco" e "Cazuza"; temos "Cidade de Deus" e "Carandiru".
FOLHA - O que acha dos filmes nacionais recentes? "Última Parada - 174", de Bruno Barreto?
DANIEL - Eu sou produtor associado do filme. Agora que já foi, posso dizer: é um longa bem realizado, mas não consegue atingir emocionalmente o público. O rapaz que faz aquele coitado, aquele maluco que ficou preso no ônibus, é excelente; mas não gosto da direção das atrizes que fazem a mãe, ele [Bruno] não conseguiu atingir a parte emocional daquela mãe que perdeu o filho. E o público não comprou a história dessa pessoa [Sandro, morto pela polícia ao assaltar o ônibus] que, para nós, é vista como um furioso assassino, mesmo que tenha havido erro da polícia.
FOLHA - E "Linha de Passe", do Walter Salles?
DANIEL - Eu não gosto. É um filme gelado. Gelado. Falta afeto. Não é um bom filme do Walter, não. Ele não me leva a nenhuma emoção a não ser a de assistir e dizer: eu não me emocionei. Creio que o público achou a mesma coisa. É uma proposta intelectualizada do Waltinho para um assunto esgotado.
FOLHA - Qual assunto?
DANIEL - A vida vem em ondas como o mar, já dizia Vinicius de Moraes. Às vezes vem a onda do filme de terror. Agora veio a onda da favela. Com o sucesso de "Cidade de Deus", todos os diretores brasileiros quiseram mostrar a preocupação social com a favela, com os desvalidos, com a ascensão do Lula, com "óóó", com... Então haja favela! Haja favela! Haja favela! E chega um determinado momento em que o povo diz: "Ah, meu Deus, eu não quero mais ver filme de favela, não. Não quero mais ver filme de traficante que mata traficante". Você não quer ver esse filme que não te conduz a nada.
FOLHA - E "Tropa de Elite", do diretor José Padilha?
DANIEL - Não chega aos pééés de "Cidade de Deus". É um grande thriller, um filme de exército feroz bem realizado. Podia ser também um filme de exército americano invadindo o Iraque e tomando tiro dos iraquianos. Mas, se eu tiver distanciamento, eu percebo que já vi esse filme outras vezes.
FOLHA - "Tropa", que foi pirateado, teve menos espectadores que "Se Eu Fosse Você". Vocês não foram pirateados?
DANIEL - [Rindo] Fomos. Mas nós não quisemos fazer esse tipo de publicidade. Eles [os produtores de "Tropa"] usaram isso um pouco demais, né? Um filme que venda 3 milhões de DVDs, piratas ou não, é um campeão absurdo. E eu não conheço nenhum DVD no Brasil que tenha vendido isso tudo. O pessoal exagerou. Aproveitou o embalo e partiu para a publicidade em cima.
FOLHA - E "Ensaio sobre a Cegueira", de Fernando Meirelles?
DANIEL - Eu gosto do filme. Apesar de o Fernando ter me dito que ele achou que o filme ficou frio, eu considero...
FOLHA - Ele te falou isso?
DANIEL - Falou, falou: "Eu acho que errei a mão, Daniel. O filme não saiu o que eu queria". Mas Fernando é hoje o melhor diretor de cinema do Brasil.
FOLHA - Você já disse que a Globo tinha que mexer na programação e afirmou que não vê mais TV.
DANIEL - Nenhum programa na televisão me atrai, nenhum. Eu não ligo a televisão. É um cansaço meu, sei lá. Nem o "Jornal Nacional" eu preciso ver mais. Eu leio jornal, a internet te bota no dia- a-dia do que está acontecendo. Não sei o que você acha. Mas eu acredito que, pela audiência que a TV tem tido, essa sensação deve ser geral. Eu vejo a audiência dos programas caindo. A TV já foi um "must" nosso e hoje não é mais. Ficou meio morninha. Não mexe mais com as pessoas, não vejo mais dizerem: "Eu preciso ver isso". Não vejo ninguém discutindo o capítulo ou o programa exibido no dia anterior. Eu vejo isso com seriados americanos.
FOLHA - A TV ficou velha?
DANIEL - Sem dúvida nenhuma. Eu não diria velha... Eu ainda estava na televisão em 1990, por aí, e já percebia que, com os canais fechados, a TV aberta iria virar o AM e a TV fechada seria o FM. Ou seja, a televisão tendia a se popularizar mais. E houve isso. Praticamente todas as famílias brasileiras têm hoje um aparelho de televisão. Então, mudou o tipo de público. Agora, é importante registrar: eu estou afastado [da TV]. Portanto, eu não sei com que público eles estão trabalhando, para quem estão falando nem para quem desejam falar.
FOLHA - Nem o "Fantástico", que ajudou a criar, você vê?
DANIEL - O "Fantástico" perdeu a dimensão há muitos anos. Perdeu. Era um programa que pertencia ao meu domingo e que foi, pelas suas matérias, pela sua estrutura, me tirando dele. Agora, eu só vou em baile em que eu queira entrar. A TV tem esse problema: você pode desligar. Então eu não quero dar a minha opinião porque eu não sei com quem eles estão falando. Eu sei que comigo eles não estão falando. Tudo o que está sendo apresentado ali não me interessa.
"["Linha de Passe"] É um filme gelado. Não é um bom filme do Walter, não. Ele não me leva a nenhuma emoção a não ser a de assistir e dizer: eu não me emocionei" "Nenhum programa na televisão me atrai. Nem o "Jornal Nacional" eu preciso ver mais [...] pela audiência que a TV tem tido, essa sensação deve ser geral" "[Fernando Meirelles] falou: "Eu acho que errei a mão, Daniel. O filme não saiu o que eu queria"Revista BRAVO! | Fevereiro/2009
“Faço pizza, mas das boas”
Sucesso de bilheteria com o recente “Se Eu Fosse Você 2”, o diretor Daniel Filho zomba dos que o acusam de filmar em “ritmo de televisão” e diz que suas comédias sofrem mais influência das italianas que das norte-americanas
por Maria Lucia Rangel
Daniel Filho atende o telefone com a animação de quase sempre. Desta vez, tem motivos de sobra. Afinal, o filme Se Eu Fosse Você 2, produzido e dirigido por ele, é um grande sucesso. Com Glória Pires e Tony Ramos interpretando um casal à beira da separação que troca mutuamente de corpo, a comédia estreou no comecinho de janeiro e, só nas primeiras quatro semanas, fez 3,7 milhões de espectadores. As previsões indicam que será o campeão de bilheteria de 2009 entre os longas brasileiros. É possível até que se aproxime do recorde de 5,4 milhões de espectadores alcançado por 2 Filhos de Francisco, a maior bilheteria da chamada retomada do cinema nacional.
No entanto, não é a seu filme que Daniel se refere quando aceita marcar a entrevista. Seu entusiasmo é por conta de fotos autografadas que conseguiu adquirir recentemente. "Elizabeth Taylor, Lana Turner, Clark Gable, Barbara Stanwyck, Katharine Hepburn, Fred Astaire", enumera. "Agora quero as dos músicos de jazz." Agenda a conversa para um sábado, às três da tarde. Será um almoço no Leblon, bairro da zona sul carioca onde mora há pouco tempo. "Acordo tarde", explica, rindo. "Só perco para Caetano Veloso e João Gilberto, porque o João nem acorda."
João Carlos Daniel nasceu no meio artístico. Filho de pai catalão e mãe argentina, ambos atores, fez um pouco de tudo no circo da família quando garoto. Hoje, aos 71 anos, traz no currículo 31 filmes como ator (entre eles, o polêmico Os Cafajestes, de Ruy Guerra), mais de 30 como supervisor e 11 como diretor (O Casal, A Partilha, A Dona da História e, claro, Se Eu Fosse Você, que originou a atual sequência).
Na televisão, também foi múltiplo. Interpretou o Visconde de Sabugosa no Sítio do Picapau Amarelo em 1955-1956, comandou a Central Globo de Produção, dirigiu cerca de 20 novelas e lançou seriados que se tornaram célebres, como Malu Mulher, Carga Pesada e Confissões de Adolescente. Para o futuro, não lhe faltam projetos, entre eles o filme Roque Santeiro, outro sobre o médium Chico Xavier e um longa baseado no poema O Dia da Criação, de Vinicius de Moraes.
Quando lê na internet comentários pejorativos de que é "um fazedor de pizzas", não chega a discordar. "Sim, a gente serve pizza, mas das boas."
BRAVO!: Como você explica o estouro de Se Eu Fosse Você 2?
Daniel Filho: O filme que deu origem à sequência já tinha feito imenso sucesso em 2006. Um sucesso surpreendente, na verdade. Nós esperávamos 2 milhões de espectadores, mas foram 3,6 milhões. Por que se chegou a isso? Há o fator "sorte", o fator "olho" e o fator "capricho na produção". Quando realizei o primeiro, não pensava em continuação, só que a boa receptividade do público me animou. Foi aí que tive o estalo de rodar o segundo em cima do tema da separação, já que me separei três ou quatro vezes. Fiz, então, um estudo para saber como são criadas as boas continuações. E descobri que há determinados tipos de cena que devem ser repetidos, mas de uma forma diferente — no caso, com uma nova piada para a mesma situação. Os três filmes da série O Poderoso Chefão, por exemplo, têm uma cena de massacre. Cada uma de um jeito. É uma marca da série. A mesma lógica aparece em outros filmes que tiveram continuações, como Perseguidor Implacável (ou Dirty Harry), De Volta para o Futuro e Rocky, um Lutador. As pessoas ficam me ligando à televisão, dizendo que "o Daniel expressou a TV na telona". Não, a televisão me deu o exercício do fazer, o que poucos autores e diretores têm. Mas, ao realizar meus filmes, penso em cinema, não em TV.
A química de Glória Pires e Tony Ramos também contribuiu para o sucesso, não?
Sem dúvida. O público gostou realmente do casal Helena e Claudio. A Glória e o Tony criaram uma empatia com a plateia parecida com a de Mirna Loy e William Powell, Katharine Hepburn e Spencer Tracy. O público ri até de coisas que eu não acreditava que provocariam risadas.
Você acha que seus filmes são mais parecidos com as comédias do cinema americano ou com as comédias da televisão brasileira?
Com as comédias americanas. Com Levada da Breca, de Howard Hawks, que é a bíblia de todos nós. Com Jejum de Amor, também de Hawks, que tem Cary Grant e Rosalind Russell nos papéis principais. O roteiro desse filme se estende por 130 páginas. É um dos maiores textos do cinema. Considerando-se que uma página costuma render um minuto na tela e que o filme dura 90 minutos, dá para ter uma ideia da quantidade de diálogos; um recorde. É preciso tirar o chapéu para o Cary Grant e a Rosalind, que falam sem parar e em alta velocidade, sem perder uma piada. Não creio que exista algo na televisão com esse tipo de humor. No entanto, minha maior influência são as comédias italianas, com as quais fui criado. Estou mais ligado a Alberto Sordi, Totò, Nino Manfredi, Vittorio Gassman, Ettore Scola e até Federico Fellini, um gênio muito engraçado. Prefiro que comparem minhas comédias às italianas ou mesmo a uma chanchada do que aos filmes da Meg Ryan. A participação de Chico Anysio em Se Eu Fosse Você 2 tem muito a ver com a de Totò em Os Eternos Desconhecidos.
O tratamento pouco amistoso da crítica em relação a seus filmes o incomoda?
A crítica está reagindo melhor. Se Eu Fosse Você 2 já provocou uma divisão; o bonequinho do jornal O Globo até aplaudiu. Mas, por causa da internet, crítica virou uma bobagem. Qualquer um entra na rede e dá opinião. Principalmente sobre assuntos populares, como televisão, futebol, cinema, vôlei.
Você costuma optar pela comédia ligeira por preferir o gênero ou por não se sentir tão à vontade fazendo filmes sérios?
Gosto de filmes que me envolvam, sérios ou engraçados, tanto faz. Não optei unicamente pela leveza. Primo Basílio, que dirigi em 2007, não é uma comédia nem um filme leve. Participei, ainda que de forma discreta, da produção de Cidade de Deus e 2 Filhos de Francisco, que também não são comédias, embora sejam longas bem distintos. Não me fixo em gênero, faço filmes. Não quero me comparar a cineastas como Sidney Lumet ou Michael Curtiz, mas eles são dois parâmetros consideráveis: diretores que sabem contar bem uma história, que não se preocupam em fazer um filme cabeça. Não faço filme para mim, nem para os amigos, nem para a minha família, mas para me comunicar com o maior número de pessoas. O ideal é que os amigos se divirtam junto, mas quem manda mesmo no espetáculo é o público. Meu próximo trabalho, Tempos de Paz, que já está pronto, é uma obra pesada, um drama denso, cheio de emoção. É uma adaptação da peça Novas Diretrizes em Tempos de Paz, do Bosco Brasil. Não sei se é genial, se vai concorrer a prêmios, mas é outro tipo de filme.
Em que medida trabalhar com os mesmos atores, como John Ford fazia, Woody Allen costuma fazer e você também fez agora, facilita a direção?
Ajuda muito ser íntimo e amigo dos atores. Por conhecer o Tony Ramos e a Glória Pires, achei que dariam uma boa química. Deram. Os dois são bem-humorados, muito econômicos e encaram a comédia com seriedade. Glória é aplicadíssima. No primeiro filme, ela cantou um oratório em alemão, decoradinho, por inteiro. Para o segundo, aprendeu a fazer embaixadinhas com o Sávio, ex-jogador do Flamengo.
Quais as suas funções como supervisor artístico da Globo Filmes, que coproduziu Se Eu Fosse Você 2?
Meu trabalho é mais de consultor. Era presidente da Globo Filmes, que foi criada para mim, na esperança de que eu não fizesse negócio com o Severiano Ribeiro (tradicional grupo exibidor de cinema). Mas a Marluce (Dias da Silva, então superintendente executiva da Rede Globo) foi me empurrando, me empurrando, sem falar nada. Até que saiu um novo organograma, e eu não era mais presidente. Ninguém me consultou a respeito. Mas ser presidente não é meu objetivo. O que faço é ler e apresentar roteiros. Conforme o diretor do filme, participo de forma mais ou menos intensa da produção. Deveria caber a mim a aprovação do elenco, mas a palavra final não é minha. Quando fiz os primeiros seriados globais, como A Grande Família ou Shazan, Xerife & Cia., e mesmo depois, com Plantão de Polícia, Malu Mulher e Carga Pesada, a coisa era diferente: a mão era minha, o corte final era meu.
A que você atribui o sucesso avassalador dos seriados americanos de hoje?
Sobretudo à qualidade dos roteiros. Eles são bons nisso. Em 1998, trouxe dois americanos para colaborar no roteiro do seriado Mulher, que fiz na Globo. Os primeiros 20 episódios foram escritos com eles. Um deles era Lynn Mamet, irmã do dramaturgo David Mamet. Fiz a mesma coisa com o filme A Partilha em 2001.
Como você avalia a atual teledramaturgia da Globo?
Já comentei com o Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, que comandou a Rede Globo entre 1967 e 1997), e ele concordou: nós, os velhos, não ensinamos direito o caminho das pedras aos nossos sucessores. Eles andam escorregando na gramática. A sensação que eu tenho é de um bando de bons jogadores sem técnico. A culpa é nossa.
E o que você acha da TV brasileira de modo geral?
Quase não vejo. Não me atrai, não me faz a menor falta.