terça-feira, fevereiro 22, 2011




ENSAIO MANOHLA DARGIS E A.O. SCOTT


Cinema americano fica mais branco

A brancura do Oscar em 2011 é um pouco ofuscante.
Nove anos atrás, Denzel Washington e Halle Berry levaram Oscar para casa -ele foi apenas o segundo afro-americano a receber o Oscar de melhor ator, e ela tornou-se a primeira afro-americana a ganhar como melhor atriz.
Transformações reais pareciam ter chegado ao cinema ou, pelo menos, à Academia, que, nos 73 anos anteriores, tinha dado estatuetas a sete atores negros (a primeira, em 1940, foi dada para Hattie McDaniel pelo papel de Mammy em "E O Vento Levou").
Durante boa parte da década passada, foi possível acreditar que alguns dos velhos demônios da desconfiança e da exclusão pudessem finalmente ter sido expulsos.
Um olhar voltado aos filmes americanos de 2010 revela menos do tipo de filmes que têm impelido atores, roteiristas e diretores negros para a disputa de prêmios. Os gêneros dos super-heróis, fantasia e ação foram destituídos de cor. Os dramas urbanos foram ambientados em bairros de americanos de origem irlandesa. Mesmo o gênero das duplas de amigos homens, que possibilitou muitas aproximações interraciais desde 1958, quando Sidney Poitier e Tony Curtis foram acorrentados juntos em "Acorrentados", virou em grande medida algo de brancos com brancos.
Terá Hollywood, um suposto reduto de progressividade tão ansioso, em 2008, para ajudar Barack Obama a chegar à Casa Branca, escorregado de volta para sua tímida praxe antiga? É possível que o status do presidente de homem afro-americano mais visível e poderoso do mundo tenha inaugurado uma nova era de confusão racial -ou, quem sabe, uma crise de representação?
O cinema americano ajudou a abrir o caminho para a Presidência de Obama, ao popularizar e normalizar imagens positivas de masculinidade negra, com atores como Poitier e Harry Belafonte fazendo papéis de detetives, juízes -até mesmo de Deus.
Mas, em parte porque o cinema continua a ser uma forma de arte feita de baixo para cima, que requer capital intensivo, ele tem sido cauteloso, tendendo a reforçar os preconceitos percebidos do público, mais que a subvertê-los. Em Hollywood, a questão racial, frequentemente, tem sido um problema social a ser tratado com seriedade (e depois deixado de lado) ou então um desafio de marketing. Nos anos 1960, os estúdios se parabenizavam por fazer dramas sóbrios, de pensamento correto, frequentemente estrelados por Sidney Poitier, em filmes como "No Calor da Noite" e "Adivinhe Quem Vem para o Jantar", ambos lançados em 1967 e que receberam juntos 17 indicações ao Oscar.
Alguns anos mais tarde, afro-americanos começaram a aparecer em grau inusitado na telona e por trás das câmeras. Rostos e vozes que até então eram vistos apenas em "filmes de raça" ou filmes de arte de gente como Shirley Clarke ("The Cool World") chegaram ao mainstream. O mundo independente assistiu ao surgimento de diretores off-Hollywood como Charles Burnett, Haile Gerima, Billy Woodberry e Julie Dash.
Mas a raça no cinema americano raramente tem sido questão de avanços feitos passo a passo. Com poucas exceções, os anos 1980 foram marcados tanto por um recuo racial quanto pela consolidação da mentalidade blockbuster. Fato mais animador foi que o final dessa década foi acompanhado pela chegada de uma nova geração de cineastas negros, o mais notável dos quais Spike Lee, que tentou derrotar o sistema e então ingressou nele.
Lee e os astros afro-americanos que ascenderam nos anos 1990 e na década seguinte, especialmente Will Smith, Morgan Freeman, Jamie Foxx e, é claro, Denzel Washington, em muitos casos tiveram que carregar o ônus de representar sua raça, ao mesmo tempo em que buscavam realizar suas ambições individuais.
Na maioria dos casos, esses astros chegaram ao topo das bilheterias em histórias que não tratavam de raça, enquanto os filmes que trataram da questão de modo mais direto, como "Ali" e "Dreamgirls", em muitos casos o fizeram desde uma distância histórica segura. Era quase como se, com a ascensão de astros de cinema negros individuais, Hollywood já não sentisse a necessidade de contar histórias sobre os negros como grupo.
Esse recuo explica parcialmente a emergência de um novo cinema negro separado, com seus astros (Morris Chestnut, Vivica A. Fox), autores (Ice Cube, Tyler Perry) e gêneros próprios. O prolífico Perry tornou-se um dos diretores e produtores mais bem sucedidos de qualquer cor.
Spike Lee tem sido um dos críticos de Perry. "Temos um presidente negro e estamos retrocedendo", disse Lee em 2009. "Essa imagem é preocupante."
Terá o ambiente cultural mudado e, com a crise econômica, feito com que outro tipo de história pareça ter urgência maior?
É difícil escapar da impressão de que a questão das classes sociais voltou à tona em 2010. "O Vencedor" relata a história de irmãos boxeadores da classe trabalhadora de uma antiga cidade fabril do Massachusetts. Ambientado na região de Ozarks, "Inverno da Alma" envolve o mundo violento e fechado de produtores de metanfetamina cujos avôs provavelmente vendiam bebida alcoólica de produção clandestina.
Será a classe social a nova questão racial, então? A complexidade racial da vida americana parece ter provocado um bloqueio na imaginação coletiva do mundo do cinema. Por enquanto, apenas um filme parece ser capaz de reconhecer o homem negro comum. Foi "Incontrolável", de Tony Scott, estrelado por Denzel Washington -quem mais?