quinta-feira, outubro 30, 2008



Sam Mendes leva 'Preacher' para o cinema


Diretor de 'Beleza americana' é encarregado de adaptação.História em quadrinhos é assinada por Garth Ennis e Steve Dillon.


"Preacher" traz a história de um pregador que ganha poderes extraordinários (Foto: Reprodução)


O diretor britânico Sam Mendes, de "Beleza americana" e "Estrada para a perdição", resolveu aderir ao universo dos quadrinhos levando "Preacher" para os cinemas.


A Columbia Pictures comprou os direitos da HQ de Garth Ennis e Steve Dillon e encarregou Mendes de adaptá-la para o cinema.


"Preacher" conta a história de Jesse Custer, um pregador que é subitamente possuído por um ente sobrenatural chamado Gênesis, filho de um anjo e um demônio, e que lhe dá poderes extraordinários e o desejo de percorrer os Estados Unidos em busca de Deus, aventura na qual embarca com uma ex-namorada e um vampiro embriagado.



O Che em sua exata dimensão política


Sem mitificação, Steven Soderbergh volta os olhos ao personagem histórico


Luiz Zanin Oricchio

Sempre vai faltar alguma coisa num filme sobre Che Guevara. Ou falta apologia ou condenação. Falta discussão política ou aventura. Che, de Steven Soderbergh, um monumento de 260 minutos de duração dividido em duas partes, tira sua força daquilo que nega às pessoas. Quem odeia o guerrilheiro sentirá falta de uma condenação sumária à sua trajetória de vida e ao seu sistema de pensamento. Quem o tem como ícone talvez se queixe de falta de emoção e da exaltação de uma biografia sem mácula.


Desse retrato em dimensão humana, portanto cheio de arestas e contradições, quem sai ganhando é o espectador maduro, aquele que espera da vida algo mais que piedade ou moralismo. E ganha a própria memória do Che que, somando seus prós e contras, sai do filme com a dimensão que deve ter. Che encerra hoje à noite a 32ª Mostra de Cinema, em sessão para convidados. Pela manhã, concedem entrevistas os atores Benicio del Toro, que encarna Guevara, e o brasileiro Rodrigo Santoro, no papel de Raúl Castro. De uma vida tão cheia de peripécias como a de Guevara, Soderbergh escolhe duas fases-chave. O primeiro filme, O Argentino, enfoca seu encontro no México com os irmãos Castro, a campanha na Sierra Maestra e a entrada vitoriosa em Havana. O segundo, O Guerrilheiro, é sobre a aventura boliviana, que lhe custou a vida em 1967. Ficam de fora a infância e a juventude, a fase da administração revolucionária em Cuba, a guerrilha na África, etc.


Mas, de certa forma, as duas fases contempladas pelo filme bastam para compor um perfil bastante intenso - aliás, construído com consultoria de Jon Lee Anderson, tido como autor da melhor biografia de Guevara (Che Guevara - Uma Biografia, Objetiva, 924 pág., R$ 89). Diante da considerável massa de informações, há que fazer escolhas e Soderbergh optou por um díptico significativo - um, que fala de uma fabulosa vitória; o outro, a narrativa de uma derrota. O tom adotado é sempre o realista, seja na semelhança dos atores com os personagens, seja na verossimilhança buscada nas cenas de luta.


Benicio del Toro compõe um Che bastante convincente do ponto de vista físico, e magnífico como interpretação, que, aliás, lhe valeu a Palma de ator em Cannes, onde o filme concorreu. Santiago Cabrera é um ótimo Camilo Cienfuegos e Demián Bichir faz um Fidel Castro até engraçado pela semelhança física, pela fala, pelos tiques e até pelo modo de andar. Já Rodrigo Santoro é como talvez Raúl Castro gostaria de ter-se parecido em sua juventude. Quando lhe propuseram o projeto de Che, Soderbergh disse que se sentiu fascinado porque a vida do argentino era "quase uma aventura" e também porque havia um desafio técnico, o de "implementar uma idéia política em larga escala". Depois das 4h20, pode-se confirmar que Soderbergh se saiu muito bem desses dois desafios. Primeiro, porque a vida de Guevara não é "quase", mas sim uma aventura completa. Às vezes apenas insinuada, como na conversa com Fidel numa varanda do apartamento mexicano, quando este lhe conta que 82 pessoas iriam embarcar num iate, o Granma, que acomodaria oito ou dez, no máximo.


Em sua recordação, Che relembra que, dos 82 que saíram clandestinos do México em direção a Cuba, apenas 12 entraram vitoriosos em Havana. Todos os outros morreram pelo caminho, seja no desembarque, seja na Sierra. Nos combates em Cuba, uma passagem importante, um rito, na verdade. Embarcado como médico na expedição, Che torna-se guerrilheiro e, por fim, comandante de uma coluna, justamente a que tomaria o último reduto de resistência de Fulgêncio Batista, a cidade de Santa Clara, onde ele está hoje enterrado.


Há uma pequena nuance biográfica sobre esse episódio. No filme, quando sabe que um médico se incorpora ao grupo, o Che lhe diz: "Tenho um pequeno presente para você." E lhe passa a mochila com medicamentos, ato simbólico do abandono da medicina em favor da guerra. Em uma das biografias, a de Paco Taibo II, a cena da passagem é ainda melhor. No afã de desembarcar do Granma, em meio à lama e a tiros, o Che é obrigado a escolher entre carregar um pesado estojo de medicamentos e um caixote de munições para o seu fuzil. Prefere armamentos a remédios, o que lhe parece escolha natural para as circunstâncias. Como também lhe parece natural fuzilar traidores e desertores, fato escondido em biografias romanceadas ou realçadas fora do seu contexto de guerra nas versões antagônicas. Soderbergh opta por mostrar essas cenas, com dureza, porém sem sensacionalismo. É opção tanto cinematográfica como ética. A segunda parte - O Guerrilheiro - passa-se quase toda na Bolívia, onde Che entra disfarçado, com óculos, dentes falsos, sem barba e calvo. O aspecto político da aventura não é escondido, em especial as desavenças com o Partido Comunista Boliviano, contrário à luta armada. Há uma clara ligação entre os camponeses cubanos da Sierra Maestra, do primeiro filme, e os bolivianos, no segundo. Com algumas semelhanças (a miséria) e diferenças básicas. Se os cubanos identificaram-se com a guerrilha, o mesmo não se dá com os bolivianos.


Além disso, Che e seus guerrilheiros foram caçados na Bolívia pelo exército de René Barrientos, com apoio dos Rangers norte-americanos. Era uma guerra muito desigual e não poderia terminar de outro modo. As cenas dos guerrilheiros sendo dizimados são fortes, assim com a prisão de Guevara a 8 de outubro de 1967 e sua execução, no dia seguinte. Isento de sensacionalismo, o Che de Soderbergh parece ocupado em dimensionar Guevara em sua estatura humana e política. Não como mito, mas como personagem histórico, um dos mais influentes do século passado, pense-se dele o que bem se quiser.



SILVANA ARANTES da Folha de S.Paulo, em Cannes
Filme-acontecimento do 61º Festival de Cannes, "Che", de Steven Soderbergh, foi exibido na noite da última quarta, em sessão-maratona de quase cinco horas de duração --as 4h28 do filme e um intervalo de 30 minutos entre suas duas partes.


Na primeira metade, o longa se debruça sobre a participação de Che na Revolução Cubana (1959) e avança até o discurso do guerrilheiro na ONU, em 1964. A segunda parte de "Che" se concentra nos 341 dias que ele passou na selva boliviana, treinando guerrilheiros, até sua morte, em outubro de 1967.


"Cuba é um assunto que me interessa menos do que Che", disse Soderbergh. "Mas há muitos aspectos da vida de Che que as pessoas não conhecem. Se contássemos o que ocorreu na Bolívia sem mostrar o que houve antes, não haveria o contexto para entender a história."
Protagonizado pelo ator norte-americano de origem porto-riquenha Benicio del Toro, "Che" custou US$ 60 milhões (R$ 98,9 milhões) e foi rodado na Espanha, Bolívia, México, Porto Rico e nos EUA -em Nova York (a cena da ONU).


O ator brasileiro Rodrigo Santoro interpreta Raúl Castro, irmão de Fidel (vivido pelo mexicano Demián Bichir). "Foi uma honra fazer parte deste projeto", disse Santoro. "Éramos atores de todas as partes da América do Sul, trabalhando juntos na selva. Parecia um sonho de Che."
"É necessário aplaudir o fato de que um realizador norte-americano tenha rodado dois filmes sobre Guevara em espanhol", observou o cineasta brasileiro Walter Salles, cujo "Diários de Motocicleta" aborda a juventude de Che. Com seu novo filme co-dirigido por Daniela Thomas, "Linha de Passe", Salles concorre com "Che" e outros 20 longas à Palma de Ouro desta edição.
"Não se pode fazer um filme com um mínimo de credibilidade sobre esse assunto sem que ele seja falado em espanhol", disse Soderbergh, que elogiou "Diários de Motocicleta"- "Walter o fez muito bem". Del Toro afirmou que "não foi fácil" atuar em espanhol. "Meu [sotaque] espanhol é de Porto Rico. Eu tinha 13 anos quando saí de lá e meu espanhol se manteve no mesmo nível. Che era um intelectual que se expressava no melhor espanhol."
Duas partes


Quando "Che" estrear nos cinemas, no próximo semestre, Soderbergh gostaria que ele fosse exibido em duas partes autônomas depois de uma semana em cartaz na versão integral. A distribuidora Warner, na França, porém, prevê lançar a primeira parte em outubro e a segunda em novembro.


O diretor achou "hilária" a recepção crítica desigual que seu filme teve em Cannes. "Enquanto uns o criticaram por ser muito convencional, outros cobraram mais momentos convencionais no filme", disse.


Sobre os que desaprovam o fato de "Che" ter um perfil positivo do guerrilheiro e favorável às suas ações, Soderbergh afirmou: "Conheço bem a argumentação dos que são anti-Che e sei que qualquer quantidade de barbaridades que incluíssemos nesse filme não seria suficiente para satisfazê-los".