segunda-feira, junho 08, 2009

BARRIGAS VAZIAS

Garapa é brutal na forma como retrata três famílias
que passam fome regularmente. É isso que quer o
diretor José Padilha: tornar pessoal, para quem não
é faminto, o problema de não ter o que comer


Isabela Boscov

A CARA DO PROBLEMA Robertina (ao centro) e sua família: 30 anos presumidos, onze filhos, muita água com açúcar nas mamadeiras e zero de perspectivas


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Durante um mês, o diretor José Padilha, de Tropa de Elite e Ônibus 174, filmou na íntegra o dia a dia de três famílias cearenses que vivem em locais diversos. Lúcia e suas três filhas moram na periferia de Fortaleza; Robertina e os onze filhos, perto do pequeno município de Choró; e Rosa e os três filhos vivem semi-isolados no sertão. Todas foram escolhidas de forma aleatória – são as primeiras que o diretor encontrou em cada lugar visitado – entre um universo específico: o dos mais de 900 milhões de pessoas em todo o mundo que, segundo a FAO, o órgão das Nações Unidas para a agricultura e a alimentação, vivem naquilo que a linguagem burocrática chama de "insegurança alimentar grave". Em outras palavras, são pessoas que passam fome regularmente. Daí o título do documentário que estreia nesta sexta-feira no país: Garapa (Brasil, 2009), em referência não ao caldo de cana que a palavra também designa, mas à água com açúcar com que mães como as mostradas por Padilha enganam a fome dos filhos quando começa a faltar comida na casa.

Visto a seco, sem conhecimento do debate em que Padilha tem se engajado desde a primeira exibição do filme, no Festival de Berlim (que ganhou no ano passado, com Tropa de Elite), Garapa causa alguma perplexidade. Durante suas quase duas horas de duração, só o que se vê é o cotidiano brutalizante dessas famílias, até o limite do fastio. Robertina tenta manter a casa em ordem, mas o chão e as paredes de terra contribuem para que nuvens de moscas recubram as crianças, causando uma infecção horrenda numa delas. Lúcia, a de Fortaleza, consegue algum alimento de famílias de classe média e de um centro de nutrição (mantido por uma ONG suíça, e não pelo estado); mas tolera o companheiro alcoólatra que rouba a comida das crianças para trocá-la por bebida. Os três filhos de Rosa passam o dia nus, largados pelo chão, e seu marido obviamente já foi vencido pela prostração; durante todo o tempo em que Padilha acompanhou a família, ele não realizou nenhum tipo de trabalho. Nenhuma contextualização é oferecida, ainda que, em todas essas famílias, a fome seja decorrência evidente de problemas anteriores e crônicos: miséria, falta de instrução, ausência ou ineficácia do poder público e, claro, a corrupção, que muito contribui para manter esses grotões de atraso. Daí a perplexidade causada por Garapa e a sensação de que o documentário anda em círculos, fixando-se num efeito sem tocar em suas causas.

De acordo com Padilha, porém, é tão somente isso que ele pretende: mostrar pela ótica do faminto como é conviver com a fome todos os dias e, uma vez que a FAO calcula que neste momento o problema poderia ser resolvido com a ninharia, em termos globais, de 30 bilhões de dólares, tirar dele a impessoalidade das estatísticas. Essas, aliás, têm sido objeto de discussão desde a estreia do filme em Berlim, o que não muda o fato de que, se só essas três famílias vivessem em tal penúria, já seriam famílias demais. O documentário começa também a virar uma peça na discussão sobre o Bolsa Família, já que Lúcia e Rosa mencionam que ele compõe a quase totalidade de sua renda – Robertina não o recebe por não ter certidão de nascimento nem qualquer outro documento. (Em entrevista a VEJA, o diretor argumentou que "o mérito do programa é ser simples; um mérito essencial, uma vez que ele é operacionalizado por um imbecil e incompetente – o estado".) Padilha já planeja um próximo filme em que formulará uma espécie de teoria geral de como a corrupção intoxica todas as etapas da vida no país. Entretanto, ele aqui dá cara e nome a algumas das vítimas desse envenenamento. Por exemplo, Robertina, uma mulher inteligente e uma agregadora natural, mas que aos 30 anos presumidos tem já onze filhos que não consegue alimentar. Os quais, seguido o curso presente, terão também eles outros tantos filhos destinados a subsistir com o socorro da garapa.

'Filmar em Hollywood é uma experiência relevante para um diretor'

Divulgação
Padilha dirige cena de 'Tropa': continuação a caminho

Por Maria Carolina Maia

No mercado cinematográfico internacional, a chamada retomada da produção brasileira não rendeu apenas apenas indicações ao Oscar e troféus em Berlim - levou também à exportação de diretores. Walter Salles fez Água Negra em Hollywood e depois rodou a coprodução Diários de Motocicleta, com o badalado ator mexicano Gael García Bernal. Cidade de Deus lançou Fernando Meirelles nas coproduções O Jardineiro Fiel e Ensaio sobre a Cegueira, com Julianne Moore. O próximo a seguir esse caminho é José Padilha, o diretor de Tropa de Elite, vencedor do Urso de Ouro de Melhor Filme no Festival de Berlim em 2008. Padilha, que acaba de ter seu último longa, Garapa, selecionado para a mostra competitiva do Festival de Filmes de Tribeca, programada para o mês que vem em Nova York, deve filmar em breve nos Estados Unidos. Ele recebeu um convite da Universal Pictures para filmar The Sigma Protocol ("Protocolo Sigma", numa tradução livre), e já trabalha no roteiro.

"Vai ser um filme no gênero de Os Três Dias do Condor", adianta Padilha, citando o longa de Sydney Pollack de 1975. No filme, um suspense, um agente da CIA descobre que está marcado para morrer - ele sabe demais - e, ao lado de uma fotógrafa, empreende uma fuga para salvar a própria vida. Outra referência citada por Padilha é Marathon Man (1976), de John Schlesinger, produção sobre um estudante de história que de repente se vê envolvido em uma conspiração internacional ligada ao tráfico de diamantes. "Ainda não sei quando o filme será rodado, mas estamos desenvolvendo o roteiro", diz Padilha. O site da revista The Hollywood Reporter noticiou que Sigma Protocol terá como base o último livro de mesmo nome de Robert Ludlum, o escritor americano que forneceu matéria-prima para a trilogia Bourne, com o ator Matt Damon.

Além de The Sigma Protocol, o ativo Padilha - que no mês passado esteve em Berlim apresentando Garapa, documentário sobre a fome - trabalha no roteiro da continuação de Tropa de Elite (2007) e no projeto Nunca Antes na História Deste País. O longa, sobre política, terá roteiro do antropólogo Luiz Eduardo Soares, autor de Elite da Tropa, o livro que deu origem ao maior hit da carreira do diretor. Padilha tem ainda no currículo o documentário Ônibus 174 (2002), sobre o sequestro de um ônibus no Rio de Janeiro que foi acompanhado ao vivo pela televisão e que terminou em tragédia, chocando o país, em junho de 2000. Apesar de sua carreira regular, Padilha acha difícil apontar os motivos que tornam os diretores nacionais atraentes aos olhos de outros mercados. Ele conversou com VEJA.com sobre esse e outros temas.

Como surgiu o convite para dirigir The Sigma Protocol e do que trata o filme?
The Sigma Protocol é um filme no gênero de Os Três Dias do Condor e de Marathon Man. Os produtores, que são muito bons, me enviaram um roteiro, me oferecendo a direção do longa. Perguntei se poderíamos modificá-lo, e eles me disseram que sim. Fizemos então um contrato de desenvolvimento, e agora estamos trabalhando nisso. Ainda não sei quando o filme será rodado. Também não há nenhuma previsão de nome para o elenco. Se rolar, este será um filme americano de estúdio, totalmente da Universal Pictures.

A que você atribui essa procura do cinema de Hollywood por diretores brasileiros?
Talvez ao fato deles gostarem dos nossos filmes. Mas, na verdade, é difícil definir as razões. São muitos os profissionais brasileiros, cada um com o seu estilo e a sua forma de trabalhar. Não acho que exista um aspecto único, comum a todos os diretores brasileiros que têm trabalhos fora do país, algo que explique porque são procurados.

A exportação de diretores para Hollywood é benéfica para o cinema brasileiro?
Filmar, ou mesmo desenvolver um filme de estúdio, é uma experiência de vida relevante para um diretor. Da minha parte, estou aprendendo bastante.

O ano começou com o recorde de Se Eu Fosse Você 2, que se tornou o filme mais visto da retomada. O cinema brasileiro vai longe em 2009?
Se Eu Fosse Você 2 é um filme bom e bastante engraçado. E os atores estão muito bem. O sucesso do longa se explica por isso, e é genial para o cinema brasileiro, é uma grande notícia. Isso mostra que o público comparece quando o filme fala com ele da maneira certa. Se tivesse que chutar, diria que o cinema nacional terá um ano 20% maior que o passado. O que, com a crise que está aí, me parece muito bom.

E Tropa de Elite 2, vai sair mesmo?
Se Deus quiser, teremos a continuação de Tropa de Elite. É difícil dizer quando será lançado. Já estamos trabalhando no roteiro, mas só vamos filmar quando estivermos prontos. Além de Tropa de Elite 2 e de The Sigma Protocol, estou trabalhando em Nunca Antes na História Deste País, um filme sobre a política brasileira e sua desonestidade estrutural. O roteiro é de Luiz Eduardo Soares. Os prazos do filme ainda dependem da captação de recursos.

Como foi voltar a Berlim após o Urso de Ouro de Tropa de Elite?
É sempre muito bom ter um filme em Berlim, e isto é verdade a despeito do resultado do Tropa no ano passado. As seções do Garapa estavam todas lotadas, com gente sentada no chão, e as pessoas ficaram bastante impactadas. A crítica internacional foi realmente muito boa, sobretudo na Alemanha. Estamos recebendo muitos convites de outros festivais importantes, de modo que Berlim, mais uma vez, está nos ajudando muito!

Inácio Araujo

A primeira impressão da minha primeira visita ao Marabá agora revivendo como multi-sala, é boa. Para quem não é de SP ou não sabe: foi uma das principais salas do centro, ali na av. Ipiranga perto da São João, bem em frente ao Ipiranga. Era o coração da Cinelândia, digamos assim. Ultimamente, não era nada. Só um monte de salas fechadas.

Então, vamos lá: o hall de entrada foi preservado tal qual, inclusive estão lá as portas de entrada do cinema original. Um senão do qual não se pode escapar hoje em dia: a bombonière, enorme, no centro do hall. Pensando bem, podia. Era possível instalá-la mais na lateral, mas acho que isso contraria a crença de alguns donos de cinema, segundo a qual o mais essencial da sala é a pipoca.

A segunda impressão é mais duvidosa: é difícil encontrar os filmes que estão sendo exibidos e os horários. Pior, na bilheteria a moça me oferece como parte do troco dois bombons. Isso não existia mais. Pelo menos eu não via há muito tempo, não só em cinema. Será que por ser um cinema popular alguém (os donos ou a bilheteira, ou o gerente, sei lá) se dá o direito de vir com essa história pré-histórica de que não tem trocado. Nem chofer de táxi mais recorre a isso. Tinha que ser no cinema. A propósito: no sábado, inteira, R$ 14.

A terceira: ver um público popular, que não é de shopping, muito diferente. Um público misturado, homens, mulheres, os mais arrumados, os informais, se vêem negros (desgraçadamente muito raros em cinema hoje em dia) inclusive. De onde vêm essas pessoas? Moram no centro, perto dele, costumam ir ao cinema, não iam por falta de sala? Os funcionários são modestos, uma modéstia que se vê no rosto, e muito simpáticos, nada a ver com certos funcionários de cinema dos shoppings, que parecem treinados para ser mais pedantes que os frequentadores.

Quarta: a entrada para as salas de baixo é em ligeiro declive que termina, claro, em outra bombonière. Me pareceu solução simples e de decoração agradável. Para as de cima se sobe pelas escadas antigas, dando para o antigo hall superior, também preservado. A sala me pareceu um pouco esquisita, com um problema freqüente nos Cinemark, que é aquela entradona central. Dá a impressão de que você nunca vai encontrar um lugar de que veja bem. Mas acaba encontrando mais fácil que no Cinemark.

Quinta: o filme que eu fui ver. “A Mulher Invisível”. A esse voltarei mais tarde. Para resumir: dá vontade de chorar.

Após a morte de David Carradine, equipe do longa Portland refaz elenco
(07/06/2009 - 12h50)

Da Redação www.cineclick.com.br
David Carradine
A produção de Portland terá que refazer o elenco do longa após a morte de David Carradine, na última quinta-feira (4/6). Este era o novo projeto do ator, que foi encontrado morto na Tailândia enquanto filmava Strech.

Segundo o site The Hollywood Reporter, as filmagens ainda não começaram, mas devem acontecer nos Estados Unidos; Reino Unido; Canadá; ao longo do Oceano Pacífico e também em Portland, Los Angeles.

Com direção e roteiro de Matthew Mishory, o drama independente tem no elenco Erin Daniels, Jonathan Caouette, Steven Martini, Renee Victor e Alex Schemmer.

A mídia local reportou que Carradine cometeu suicídio, enforcando-se com as cordas da cortina do quarto, mas seu empresário afirmou acreditar que o ator tenha morrido por causas naturais. Binder disse à Fox News que sua morte é "chocante e triste". "Ele estava cheio de vida, sempre querendo trabalhar, uma grande pessoa", concluiu.

Carradine nasceu em 8 de dezembro de 1936, em Los Angeles, e, em 40 anos de carreira, esteve em mais de 100 filmes. Recentemente, sua carreira foi aquecida novamente quando Quentin Tarantino o escalou para interpretar Bill nos dois volumes de Kill Bill; pelo segundo filme, ele foi indicado ao Globo de Ouro de Melhor Ator Coadjuvante, em 2005. Em 1976, Carradine foi indicado ao Oscar de Melhor Ator pela atuação como o cantor folk Woody Guthrie em Esta É Minha Terra.

Ele deixa sua esposa, Annie, e duas filhas, Calista Miranda e Kansas.

Cannes de A a Z

Fotografia de Anthony Dod Mantle ajuda a criar a atmosfera sombria do filme (Foto: Divulgação)

A de 'Antichrist'


Ame ou odeie-o, o novo filme de Lars von Trier foi o que mais polêmica conseguiu causar no Festival de Cannes. Primeira incursão do diretor dinamarquês no cinema de terror, o longa traz cenas fortíssimas de sexo e mutilação protagonizadas por Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg. Os jornalistas chiaram, mas o júri gostou e deu a Gainsbourg o prêmio de melhor atriz.

B de Brasil


Com apenas dois longas-metragens exibidos na programação oficial - e nenhum concorrendo à Palma de Ouro -, o Brasil teve uma participação bem mais discreta do que em 2008, quando teve dois filmes competindo e ainda arrematou o prêmio inédito de melhor atriz para Sandra Corveloni por "Linha de passe". "À deriva", longa mais autoral de Heitor Dhalia, teve uma boa recepção na sessão Un Certain Regard. Já "No meu lugar", estreia de Eduardo Valente no formato, foi exibido para poucos e não empolgou a crítica nacional ou internacional.

C de Coppola


Também correndo por fora, o lendário cineasta Francis Ford Coppola exibiu seu novo e inédito longa-metragem, "Tetro", na mostra paralela Quinzena dos Realizadores. Espécie de "Poderoso chefão" à argentina, com rastros autobiográficos e linguagem tetral, o filme traz Vincent Gallo no papel principal, como um escritor norte-americano frustrado que deixa os Estados Unidos fugindo do pai opressor para começar uma vida nova em Buenos Aires. "Nada ali realmente aconteceu, mas é tudo verdade", afirmou, enigmático, o diretor aos jornalistas.

Cena de 'Das weisse band', de Michael Haneke (Foto: Divulgação)

D de 'Das weisse band'


Vencedor da Palma de Ouro deste ano e dos prêmios de direção e do júri com filmes anteriores, o austríaco Michael Haneke voltou a despontar como favorito, na segunda semana do festival, logo na primeira sessão de "Das weisse band" para a imprensa. Com uma estética sóbria e filmado todo em preto-e-branco, o longa é uma espécie de análise do diretor sobre os perigos do fanatismo religioso e político. Nesse caso específico, ele mostra como um vilarejo rural aparentemente pacato ao norte da Alemanha do início do século 20 abrigou um grupo de cidadãos de convicções morais tão rígidas quanto pervertidas que acabariam desembocando no nazi-fascismo dos anos que viriam.

E de Estrelas


Para os fãs mais atentos ao mundo das celebridades do cinema, Cannes 2009 foi também mais discreto do que a edição do ano passado. Os atores que mais causaram frisson no tapete vermelho e nos corredores do Palácio dos Festivais foram Penélope Cruz, que competia com "Los abrazos rotos", de Almodóvar, e Brad Pitt, estrela do novo filme de Quentin Tarantino, "Inglorious basterds". Os pouquíssimos jornalistas que conseguiram uma entrevista particular com o marido de Angelina Jolie tiveram de pegar uma van exclusiva em um ponto de encontro pré-marcado e se dirigir para o local secreto onde o astro de Hollywood estava hospedado. Os jornalistas brasileiros também tiveram seus cinco minutos de paparazzi, especialmente com a presença do casal Grazi e Cauã Reymond (que faz uma ponta de "À deriva") e do escritor Paulo Coelho, que veio à riviera francesa lançar seu novo livro, ambientado em Cannes, e anunciar a estreia do filme colaborativo "A bruxa experimental".

F de Futebol


Se no ano passado, Maradona veio a Cannes, este ano foi a vez de Eric Cantona. Ídolo dos torcedores do clube inglês Manchester United, o ex-jogador francês conhecido por sua língua afiada enfiou uma bola por baixo das pernas da crítica ao saber que também pode atuar. Cantona é o destaque de "Looking for Eric", comédia dramática de Ken Loach que conta a história de um carteiro apaixonado por futebol que vive uma crise pessoal com a ex-mulher e os filhos. Numa performance hilária, o atleta acaba encarnando uma espécie de técnico que dá dicas para tirar o fã da miséria emocional em que se encontra.

Cena do filme chinês 'Spring fever', de Lou Ye (Foto: Divulgação)

G de Gays


Também não foram poucos os filmes que lidaram com a homossexualidade no festival. Filmado clandestinamente na China, onde o assunto ainda é tabu, "Spring fever", de Lou Ye, foi agraciado com o prêmio de melhor roteiro. O filme, que mostra as dificuldades e a realidade do submundo gay no país, conta a história de um homem que é flagrado com seu amante por um detetive particular contratado por sua mulher. Com o fim da relação, o detetive acaba se apaixonando pelo personagem que deveria seguir e formando um triângulo amoroso com um desfecho trágico. O tema também aparece em "Taking Woodstock", de Ang Lee, e na comédia de Jim Carrey - com Rodrigo Santoro e Ewan McGregor - "I love you, Phillip Morris", exibida fora da seleção oficial.

H de Heath Ledger


O ator australiano, morto em 2008, se despediu finalmente das telas com a exibição de "The imaginarium of Doctor Parnassus". Dirigido por Terry Gilliam, o longa traz a última - e inacabada - participação de Ledger em um filme. Para preencher o vazio deixado por ele, Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrell toparam entrar no projeto, doando o cachê para a filha do ator. Merece destaque a coragem e a forma criativa como Gilliam conseguiu encaixá-los na história, todos interpretando o mesmo personagem. Nos créditos finais, aparece a dedicatória "Um filme de Heath Ledger e seus amigos".

I de Indie rock iraniano


Teerã, quem diria, também tem a sua cena de bandas de rock underground, com músicos influenciados por nomes que vão de Beatles e Metallica a Stroke e até os islandeses Sigur Rós. A diferença maior é que na capital do Irã montar uma banda - seja lá qual for o gênero - só é permitido com a permissão oficial do estado. Vigiados pelos próprios vizinhos, os jovens precisam bolar as estratégias mais inusitadas para conseguir tocar em shows, festas e até para fazer seus ensaios. A dura realidade é retratada em "No one knows about persian cats", metade ficção, metade documentário, do diretor Bahman Ghobadi.

J de Júri da competição


A escolha da atriz Isabelle Huppert, com fama de durona, para presidir o júri da competição oficial causou certo frisson entre os jornalistas que cobriam o evento. Seria ela "corajosa" o suficiente para dar a Palma a um de seus maiores diretores, Michael Haneke? Sim, ela teve. Sua personalidade forte iria causar rachas e brigas internas com o restante dos jurados? Bem... mais ou menos. "Houve rumores de que a gente estava brigando, mas a beleza de trabalhar entre amigos é que mesmo que não concordemos, ainda assim nos amamos. Foi o calor, as discussões e o confronto de mentes que fez desse nosso trabalho algo tão bonito", declarou a atriz Robin Wright-Penn na coletiva de encerramento. Também parte do júri, Asia Argento consertou: "
foi um processo muito democrático. Ouvindo as ideias dos colegas, mudei a minha cabeça sobre algumas das escolhas".

K de 'Kinatay'


Violento e de difícil assimilação, o longa-metragem filipino de Brillante Mendoza surpreendeu com a vitória na competição oficial com o prêmio de melhor direção. Filmado com uma crueza arrepiante, "Kinatay" acompanha um dia na vida de um jovem aspirante a policial que se rende à corrupção para garantir o sustento da mulher e do filho. Uma de suas primeiras missões é ajudar no sequestro de uma prostituta que, uma vez no cativeiro, é estuprada e esquartejada pelo grupo de gangsters.

Em 'Los abrazos rotos', novo filme de Almodóvar, Penélope Cruz interpreta uma atriz que atua em uma comédia com visual inspirado em Audrey Hepburn (Foto: Divulgação)

L de 'Los abrazos rotos'


O novo filme de Pedro Almodóvar não empolgou a crítica nem o júri nesta edição do festival. Estrelado por Penélope Cruz, o longa conta a história de um escritor e diretor que se apaixona pela atriz de uma de suas comédias. Recheado de referências a filmes de grandes cineastas e a outros de sua própria carreira, "Los abrazos rotos" foi descrito pelo espanhol como uma homenagem pessoal ao universo e ao ofício do cinema. Então, tá...

M de Mães


Obstinadas, violentas ou simplesmente muito loucas, as personagens maternas marcaram forte presença nos filmes selecionados para a mostra. Entre os destaques estão a mãe judia de "Taking Woodstock", a desequilibrada de "Mother", de Bong Joon-ho, a submissa de "Dogtooth" (leia mais abaixo) e a sogra catatônica de "Thirst", de Park Chan-wook. Sem falar em Débora Bloch, que interpreta uma mãe alcoólatra no brasileiro "À deriva". Resta saber se as mães dos diretores ficaram orgulhosas.

N de Nudez


Se recentemente o Brasil - ou parte dele - andou chocado, protestando contra a nudez e o excesso de cenas de sexo no cinema nacional, nas telas de Cannes, o desfile de pelados e peladas era interminável. Só entre os 20 filmes da competição oficial, mais da metade continha sequências explícitas de sexo. Menções honrosas para a cena de abertura de "Antichrist", gravada em câmera lenta, preto-e-branco e ao som de ópera, para o "amorzinho" debaixo dos lençóis em "Los abrazos rotos", para o motel em formato de vagão de metrô de "Map of the sounds of Tokyo", de Isabel Coixet, e para a transa barulhenta e desengonçada dos vampiros em "Thrist". Ainda que mais comportadinho, as brasileiras ainda vão poder espiar a relação insinuada entre Cauã Reymond e duas personagens - uma de cada vez! - em "À deriva".

O de Oriente Médio


Além do iraniano, "No one knows about persian cats", os conflitos da região foram abordados em "The time that remains", do diretor palestino Elia Suleyman. Considerado por alguns o injustiçado na premiação final, o filme de tintas autobiográficas narra a infância do cineasta na cidade de Nazaré desde a ocupação israelense da década de 1940 até hoje. Bem-filmado, o longa adota uma postura irônica para tratar das contradições de se viver em um país dividido política, cultural e religiosamente. Antológica desde já é a cena em que um palestino deixa sua casa para retirar o lixo e falar ao celular e é perseguido pela mira de um canhão de tanque de guerra enquanto anda de lá para cá no meio da rua.

P de 'Panique au village'

Correndo por fora de competição, a animação belga ajudou a garantir boas gargalhadas em meio a tantos filmes sombrios do festival. Gravado em stop-motion, com bonecos de brinquedo e cenários toscos de plástico e papel, o longa-metragem conta a história de um caubói, um índio e um cavalo que dividem a casa em uma fazenda. Exibida como série de TV na Bélgica e na França, a produção lembra os desenhos do Adult Swim, da Cartoon Network, repleta de personagens histéricos e situações de completo non-sense.

Brad Pitt como o tenente Aldo Raine, chefe do grupo de caçadores de nazistas conhecido como 'Os bastardos' (Foto: Divulgação)

Q de Quentin Tarantino


A expectativa era imensa. Mas, apesar da atuação impecável - e premiada - do alemão Christoph Waltz como um general nazista sagaz e poliglota, "Inglorious basterds", o novo de Tarantino, acabou tendo uma recepção morna por parte do público. O principal motivo foram as pouquíssimas cenas de ação e o excesso de diálogos intermináveis que se arrastam por quase três horas de filme. As críticas podem surtir efeito. Após a sessão, rumores davam conta de que Tarantino deve apresentar uma versão reeditada, com cortes, quando o longa finalmente chegar aos cinemas, em outubro.

R de Resnais


Um dos grande mestres vivos do cinema francês, Alain Resnais voltou a Cannes em ótima forma - e garantiu o Prêmio Excepcional pelo conjuto de sua obra. "Les herbes folles", novo filme do diretor de "Hiroshima, meu amor" e "O ano passado em Marienbach", comprova como Resnais também domina as comédias. Embalado em humor inteligente e altas doses de sarcasmo, o filme é estrelado pelo ator veterano André Dussollier, que interpreta um velho mulherengo que se apaixona por uma completa desconhecida simplesmente por ter encontrado a carteira dela na rua. O elenco do filme inclui algumas das principais estrelas do cinema francês, como Mathieu Amalric, Anne Consigny e Sabine Azéma, esposa de Resnais.

S de Sam Raimi


O diretor de "Homem-Aranha" aproveitou o burburinho do festival para lançar, em sessão especial, "Drag me to hell", que marca seu retorno ao gênero dos filmes de terror depois da série cult de filmes "Evil dead / A morte do demônio". Quem associa Cannes a nomes como Resnais, Haneke ou outros diretores do chamado cinema de arte não imagina que foi justamente Cannes que ajudou a impulsionar a carreira de Raimi no início. "Os franceses foram os únicos que gostaram [de 'Evil dead' na época. Isso puxou outros compradores europeus, até que os americanos viram que os ingleses também estavam comprando e decidiram apostar", contou o diretor em entrevista.

Os atores Bae Doona e Arata em cena de 'Air doll' (Foto: Divulgação)

T de Tóquio


A metrópole japonesa é o cenário de diversas produções exibidas na mostra. Aparece no romântico "Maps of the sounds of Tóquio", de Isabel Coixet, no singelo "Air doll", de Kore-Eda, sobre uma boneca inflável de sexo que ganha vida e decide abandonar o seu dono, e no radical e futurista "Enter the void", do argentino radicado na França Gaspar Noé.

U de 'Un prophète'

Um dos grandes favoritos a vencer a Palma de Ouro deste ano, o longa-metragem do francês Jacques Audiard é um épico de máfia que não deixa nada a dever para os filmes de Martin Scorsese e de Mateo Garrone, premiado no ano passado por "Gomorra". O filme conta a história de um jovem árabe que é enviado para um presídio e se vê forçado a trabalhar para um chefão da máfia da Córsega para garantir sua segurança no local. À medida que vai conquistando a confiança do criminoso, o personagem resolve tentar andar com as próprias pernas e começa a construir sua própria liderança no universo do crime organizado. "Un prophète" não levou a Palma, mas ficou com o prestigioso Grande Prêmio do festival.

V de Vampiros

Perdão aos fãs de "Crepúsculo" e "True blood", mas o título de melhor e mais criativa história de vampiros dos últimos tempos vai para o diretor Park Chan-wook e seu "Thirst" ("Bak-jwi", no original). Na trama, um padre católico se voluntaria para um experimento científico que, por acidente, o transforma em um voraz consumidor de sangue humano. Vivido pelo comediante Song Kang-ho (de "O hospedeiro"), o anti-herói protagoniza cenas nojentas e hilárias, como quando resolve apelar para o estoque de sangue de doação do hospital em vez de sair por aí cravando o dente nas jugulares das pessoas.

W de Woodstock

Um outro Woodstock é possível, como mostrou o diretor Ang Lee em seu primeiro filme de comédia, "Taking Woodstock". Baseado na história real de um jovem almofadinha que resolve promover um evento de música em sua comunidade rural para levantar fundos para pagar a hipoteca do motel em que seus pais trabalham, o longa consegue divertir ao mesmo tempo que escapa aos batidos filmes sobre a geração "sexo, drogas e rock'n'roll". Sem mostrar nenhuma imagem de arquivo ou sequer bandas no palco, o diretor chinês radicado nos EUA mira suas lentes nos bastidores e no público variado de quase 500 mil pessoas que se reuniram durante três dias em uma fazenda de leite em agosto de 1969.

X de Xenofilia

Sem dúvida o mais internacional dos eventos internacionais de cinema, o Festival de Cannes seguiu abrindo espaço para produções vindas dos cinco continentes. Espalhados entre a sessão oficial e as diversas mostras paralelas estavam filmes de diretores russos, romenos, gregos, filipinos, chineses, japoneses, palestinos, iranianos, franceses, italianos, alemães, austríacos, americanos, brasileiros, argentinos... Sem falar na quantidade jornalistas vindos dos mais diversos países para cobrir o festival, considerado o maior evento de mídia do planeta, atrás apenas das Olimpíadas e da Copa do Mundo da Fifa.

Cena de 'Dogtooth', o grande vencedor da mostra paralela 'Un certain regard'. (Foto: Divulgação)

Y de Yorgos Lanthimos


Vencedor do prêmio da mostra paralela Un Certain Regard, "Dogtooth", do diretor grego Yorgos Lanthimos levaria fácil se houvesse também um prêmio para o filme mais maluco da mostra. Tamanha é a criatividade do sujeito, que conseguiu imaginar o bizarro universo de uma família cujos filhos são criados a vida inteira dentro de uma casa totalmente murada, sem contato algum com o mundo externo. Quase adultos na idade, os filhos se comportam como crianças, acreditando nas mentiras e no vocabulário inventados pelos pais sob o pretexto de protegê-los. Zumbis, por exemplo, são "pequenas flores amarelas que crescem no jardim" e gatos são "predadores terríveis, que podem matar e devorar o corpo de uma pessoa em minutos".

Z de Zzzzzz...

Doze dias ininterruptos de festival, mais de 50 filmes exibidos das 8h às 22h, entrevistas, reuniões e eventos. Ao final da maratona de Cannes, não faltavam cinéfilos com olheiras, muitos aproveitando o escurinho do cinema para tentar botar o sono em dia. Que atire o primeiro rolo de filme quem não cochilou nem cinco minutinhos em qualquer uma das sessões do festival.

Inglorious Basterds

Foto: Regis Duvignau/Reuters

Brad Pitt e Quentin Tarantino brincam com fotógrafos durante apresentação de 'Inglorious basterds', em Cannes (Foto: Regis Duvignau/Reuters)

Se é verdade que os norte-americanos não gostam de assistir a filmes com legenda, terão de aprender na marra se quiserem ver o novo filme de Quentin Tarantino, exibido pela primeira vez nesta quarta-feira (20) no Festival em Cannes.

"Não sou um cineasta americano. Eu faço meus filmes para o planeta Terra", declarou Tarantino em entrevista coletiva nesta manhã, logo após a sessão.

Formado por um elenco internacional, que inclui o ator americano Brad Pitt, a atriz francesa Mélanie Laurent, e os alemães Christoph Waltz, Daniel Brühl e Diane Kruger, "Inglorious basterds" alterna diálogos em inglês, francês, alemão e italiano. Dublagem é inviável, já que a graça do filme - uma história fictícia sobre um grupo de caça-nazistas durante a Segunda Guerra Mundial - está justamente nas sutilezas da (falta de) comunicação entre os personagens.


Pitt interpreta o tenente Aldo Raine, um militar americano que escala uma tropa de elite formada por soldados judeus para se vingar dos ataques nazistas na Europa. Batizados de "Os bastardos", cada integrante do grupo tem como missão recolher os escalpos de, pelo menos, cem oficiais nazistas cada um.

Do outro lado da guerra, está Hans Landa, general fluente em todas as línguas e com uma capacidade incrível de farejar a presença do inimigo por perto. Responsável pelos melhores diálogos do filme, o personagem interpretado pelo ator alemão Christoph Waltz é, sem dúvida, o maior trunfo de "Inglorious basterds".

A opinião é Tarantino: "Percebi cedo, quando ainda estava escrevendo o roteiro, que tinha em mãos esse personagem impressionante. Ele é um gênio da linguística, e eu sabia que só poderia filmar se conseguisse um ator com esse talento, ou o personagem não sairia do papel. Fizemos muitos testes e, quando eu estava quase desistindo, o Christoph veio, sentou e leu duas cenas para a gente. Olhei então para os produtores e falei: 'Nós vamos fazer o filme!'"

Brad Pitt como o tenente Aldo Raine, chefe do grupo de caçadores de nazistas conhecido como 'Os bastardos' (Foto: Divulgação)

Para Brad

Primeiro a ser convocado, Pitt também teve importância fundamental no projeto. "Artisticamente, eu e ele estávamos flertando há muito tempo nos corredores", disse Tarantino. "Brad sempre foi um ator com quem eu queria trabalhar um dia. Mas, para mim, não funciona assim. Nos meus filmes, os personagens sempre vêm antes. Então, quando escrevi o papel de Aldo, pensei: 'OK, este é para o Brad.'"

O ator americano conta como aceitou o convite: "Quentin me visitou uma dia em casa e levou o roteiro. Falamos a noite inteira sobre a história, sobre filmes... e, no dia seguinte, quando acordei, olhei na sala para as cinco garrafas de vinho vazias e uma parafernália estranha para fumar... Seis semanas depois já estávamos filmando." E completou: "Estou sempre procurando algo novo, um personagem que seja fresco. Mas é também a companhia que eu escolho. Se vou ficar esse tempo todo longe de casa e da minha família, então tem de ser com as pessoas que significam algo para mim".

Revelado no filme alemão "Adeus, Lênin!", Daniel Brühl conta que o convite para trabalhar com Tarantino foi a realização de um sonho particular. "Eu tinha 16 anos e fui ao cinema ver 'Pulp fiction'. Quando saí da sessão, virei para os meus amigos e falei: 'um dia eu vou fazer o meu filme'. Quase não acreditei quando recebi a ligação para fazer os testes", afirmou o ator, que interpreta um herói nazista de guerra que, em Paris, se apaixona pela dona de um cinema (Mélanie Laurent) chamada Shosanna sem saber que a jovem é uma judia fugitiva.

Bastardos e atriz espiã se misturam aos nazistas em cena de 'Inglorious basterds' (Foto: Divulgação)

Vingança a tacadas

Construído a partir de diálogos longos (e por vezes tediosos) e muitas cenas internas, "Inglorious basterds" traz algumas poucas sequências de ação e sadismo que lembram os velhos tempos de "Cães de aluguel". Elas incluem uma passagem em que um dos bastardos, conhecido como O Urso Judeu, estraçalha o crânio de um oficial nazista usando um taco de beisebol e as cenas em que o personagem de Pitt marca com uma faca a suástica na testa dos inimigos a quem decide poupar a vida.

Seria, finalmente, a vingança dos judeus operada pelas mãos de Quentin Tarantino? "Pode ser, mas não sei se colocaria nessa categoria se fosse separá-lo na estante de uma locadora de vídeo. Para mim, o filme é mais sobre esses personagens que eu inventei reescrevendo o destino da História", alivia o diretor.

Responsável pela catártica cena do taco de beisebol, o ator judeu Eli Roth deixa de lado o politicamente correto: "É algo que fantasio desde que era criança!"

"Entre os Muros da Escola" expõe a visão francesa do choque de civilizações

EDILSON SAÇASHIMA
Da Redação
Existe um fosso que separa o professor e os alunos que protagonizam o filme "Entre os Muros da Escola", vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes do ano passado. No microcosmo de uma sala de aula, a expressão "choque de civilizações" poderia ser usada para sintetizar a relação entre eles.

Há uma diferença cultural e social que gera incompreensão e atrito entre ambas as partes, em um retrato do que seria a França contemporânea. Os muros da escola não são os únicos que revelam uma divisão e uma impenetrabilidade entre dois lados. Há também outros muros invisíveis que estão sugeridos no filme.

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Alunas reais atuaem em "Entre os Muros da Escola"; filme expõe visão do choque de civilizações
VEJA MAIS FOTOS DO FILME "ENTRE OS MUROS DA ESCOLA"

De um lado desse muro está François Marin, um professor de francês vivido por François Bégaudeau, que também é o autor do livro homônimo no qual "Entre os Muros da Escola" é baseado. De outro, está um grupo de alunos entre 13 e 15 anos composto por negros africanos, asiáticos latino-americanos e franceses.

François pode ser visto como um educador, em um primeiro momento, mas também como uma espécie de colonizador. Seu sobrenome Marin, que pode ser traduzido ao português como marinheiro, sugere alguém que é desbravador dos mares e de novas terras. Seu esforço em fazer com que seus alunos incorporem o idioma francês pode ser interpretado como uma espécie de "processo civilizador" imposto a esses alunos de diferentes etnias.

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Professor na vida real, François Bégaudeau atua em filme inspirado em seu livro
A linguagem é o grande campo de batalha onde é travado esse conflito cultural. O filme se sustenta basicamente apenas com longos diálogos, e muitos deles trazem o frescor do improviso. Sem um roteiro em mãos, os jovens puderam criar seus próprios diálogos, o que dá a sensação de que a realidade daqueles garotos invadia a ficção de "Entre Muros".

A invasão da realidade no filme também se dá através do nome dos personagens, que é a mesma dos jovens na vida real. Porém, duas exceções merecem menção. Khoumba, vivida por Rachel Régulier, é uma aluna chamada de insolente por se recusar a atender uma ordem do professor. Souleymane, interpretado por Franck Keïta, é o garoto problemático que se indispõe com o professor e seus colegas.

São os dois personagens "rebeldes" e principais questionadores da autoridade de François. Apresentá-los como personagens fictícios parece querer desvinculá-los do mundo real. É como se a visão deste filme francês fosse apenas capaz de ver o "verdadeiro" outro como o "bom selvagem", aquele personagem de outra etnia que se esforça a assimilar a cultura francesa. Talvez por isso, os professores lamentem a possibilidade de deportação do chinês Wei, um aluno dedicado no estudo do francês e bom moço, mas se reúnam para discutir a expulsão de Souleymane, um personagem que vemos falar um outro idioma.

O filme reforça uma visão colonizadora a partir do ponto de vista de alguém que se toma, mesmo que inconscientemente, como a "civilização". Assim, o outro se torna o retrato da rebeldia que deve ser conquistado através da assimilação da cultura da "civilização".

Para o público brasileiro, a imagem de alunos que questionam a autoridade do professor e até mesmo são agressivos possibilita outra discussão. Trata-se de um retrato que talvez não seja diferente do que vemos em escolas brasileiras, em que é comum o relato de desrespeito ao mestre. Mas a escola em si não parece ser o principal foco do filme. Tanto que o título original se refere apenas aos muros. A menção à escola no título é uma inclusão da distruibuidora do filme no Brasil.
Entrevista - Rosemberg Cariry - Caldeirão cultural



Com uma obra densa e criativa sobre a nossa formação cultural, Cariry é um cineasta original no cenário do cinema brasileiro

Por Júlio Bezerra

Rosemberg Cariry é um resistente. É um cineasta fora do eixo Rio-São Paulo. Autor de um cinema operístico e barroco, decalcado de suas vivências e estudos e feito dentro das condições de produção possíveis. Um cinema que expressa uma procura sempre renovada das fontes e dos encontros culturais, entre o universal e o particular, entre o popular e o erudito, entre o real e o sonhado. Seja no documentário, na ficção, na poesia ou nas canções, a obra de Rosemberg é perpassada pela missão de restituir a história e as raízes da cultura popular do Nordeste.

Nascido em 1953 em Farias de Brito, cidadezinha da região do Cariri, no Ceará, Rosemberg se formou filósofo em Fortaleza. Mas a poesia sempre foi mais importante. E lá foi ele fazer cinema. Afora os primeiros curtas rodados na década de 70, em super-8, Rosemberg já escreveu, produziu e dirigiu sete longas-metragens, sempre movido pela mesma vontade de lutar contra o descaso pela memória de seu próprio país. Foi assim de “O Caldeirão da Santa Cruz do Deserto” (1986) ao mais novo “Patativa do Assaré – Ave Poesia” (2007), passando pelas coletâneas de poesia que publicou e as canções populares que compôs e/ou gravou. E isso sem contar com as batalhas na ABD, na APCNN e no CBC.

Em entrevista à Revista de CINEMA, Rosemberg falou da cultura popular tradicional do Nordeste brasileiro enquanto legado espiritual, artístico, religioso e comportamental: “Está no meu sangue, está na minha alma”, reitera. O entrevistado debateu a linguagem e a estética que lhe convém, a falta criativa de recursos, o equilíbrio entre o documentário e a ficção, o cinema como um fluxo de (in)consciência, e o seu mais novo projeto. Às voltas com o lançamento nacional de “Patativa do Assaré”, Rosemberg reafirma: “Fazer cinema é, sobretudo, um ato de paixão e de essencialidade”.

Revista de CINEMA – Você poderia falar um pouco de sua trajetória?

Rosemberg Cariry – Eu nasci em uma família simples, de origem camponesa, em uma região emblemática: o Nordeste do Brasil. E a cultura popular dessa região tem influências ibéricas, africanas e ameríndias. Na minha infância, eu convivi com famosos poetas, violeiros e artistas populares. Eu participava das romarias de Juazeiro, brincava nos reisados de Congos, malhava o Judas e acompanhava os penitentes que se autoflagelavam nos cemitérios durante a Semana Santa. Eu conheço todo esse mundo. Minha avó Perpétua era descendente de índios da nação cariú e foi ela quem me transmitiu muitas estórias populares, lendas e contos de fadas. Milhares e milhares de estórias, um universo mágico e mítico, um alimento essencial para a minha alma. Eu elaboro a minha arte literária e cinematográfica a partir dessas matrizes, na interseção da cultura dita erudita.

Revista de CINEMA – Estudou em colégio de padres, não é?

Rosemberg Cariry – Sim. Eu fui aluno, em regime de internato, no seminário dos padres franciscanos, em Juazeiro do Norte. Depois, fui estudar no seminário dos padres alemães, no Crato. Nessa época, eu entrei em contato com a literatura clássica, greco-romana, bem como com a poesia romântica, com a arte do renascimento, a teologia etc. Esse encontro do “popular” com o “erudito” foi decisivo para a minha arte. Eu percebi que as cantigas do “Cego Oliveira” eram uma herança de Homero e que as histórias que a minha avó me contava tinham suas raízes nos mitos e nas tragédias gregas. Eu percebi que só era possível construir a minha própria identidade cultural e mesmo ingressar na modernidade a partir desses arquétipos, dessa herança universal.

Revista de CINEMA – Você fez filosofia?

Rosemberg Cariry – Os estudos na Faculdade de Filosofia de Fortaleza foram importantes para que eu pudesse sistematizar alguns pensamentos, dar uma forma lógica à formação do saber popular e canalizar a minha indignação juvenil. Mas a filosofia nunca foi para mim mais importante do que a poesia. O que marcou esse período na faculdade foi a agitação, a contestação, a busca da filosofia como práxis transformadora do mundo a partir de uma proposição marxista.

Revista de CINEMA – Como o cinema surgiu na sua vida?

Rosemberg Cariry – Eu tinha quatro anos quando vi o primeiro filme projetado por um padre, nas santas missões, na parede de uma igreja. O filme mostrava o caminho do céu e o do inferno. O do céu era cheio de abismos, de dores, de sofrimentos. O do inferno era cheio de prazeres, de mesas fartas, de mulheres bonitas. Nós, crianças pobres, depois desse filme, nunca mais deixamos de sonhar com o caminho do inferno. Depois, vi os filmes projetados pelo Inácio, um velho cinemeiro que andava com um projetor manual por cidades e vilas do sertão. Ele projetava fragmentos de velhos filmes de Carlitos, do Gordo e o Magro, de faroestes norte-americanos do início do século, de cenas bíblicas... Quando eu tinha uns dez anos, nos mudamos para o Crato. Lá existiam seis cinemas. Eu vendia pão nas ruas ou catava metais no lixo para ganhar algum dinheiro e ir ao cinema. Como referência inicial, foram fundamentais os filmes de dois cearenses: Jefferson de Albuquerque Jr. e Hermano Penna. Fazer cinema é sobretudo um ato de paixão e de essencialidade.

Revista de CINEMA – Como você situa os seus filmes no âmbito do cinema nacional?

Rosemberg Cariry – Fiz o meu primeiro longa-metragem no início da década de 80, de forma totalmente independente, marcando desde o início uma postura estética e política, na afirmação do Nordeste como importante espaço de produção de filmes e de bens simbólicos. Eu lutei em quase todas as batalhas para transformar o Nordeste no polo de cinema importante que é hoje, na ABD, na APCNN, no CBC. E nunca deixei o Ceará. Sou um raro exemplo de cineasta que faz seus filmes fora do eixo Rio-São Paulo. Sempre fiz meus filmes com uma linguagem e estética particulares, dentro das condições de produção possíveis, com os recursos disponíveis no momento, respondendo a uma necessidade mais profunda do meu ser no mundo. Gosto sempre de citar Bertolt Brecht: “Isto é tudo, e sei que é quase nada./ Mas que ainda vivo é o que aqui vos digo./ Sou como o que trazia um tijolo consigo/ Pra mostrar ao mundo como será sua morada.”

Revista de CINEMA – E no âmbito do novo cinema cearense, que anda impressionando muita gente pelo país?

Rosemberg Cariry – Tenho com toda esta nova geração, que começa a despontar no país e mesmo no exterior, por meio de filmes bem ousados e criativos, uma relação muito boa. Alguns deles trabalharam ou deram os primeiros passos nas produções que realizei. Mantemos uma relação de respeito e colaboração. Acredito muito nesta geração que hoje já anda pelas estradas mais largas e é aplaudida pela crítica e pelo público, conquistando importantes prêmios para o Ceará, para o Nordeste e para o Brasil. Há uma geração de novos e novíssimos cineastas no Nordeste que irá surpreender e, com certeza, avançará além da minha.

Revista de CINEMA – Seu cinema me parece marcado por um estilo barroco e operístico. O que você acha?

Rosemberg Cariry – No meu cinema mesclam-se as influências das culturas populares do Cariri com toda cultura clássica que aprendi nos seminários e com a pós-modernidade dos filmes e da literatura de vanguarda da última metade do século XX. Acho que o barroco e o operístico vêm dos folguedos dramáticos populares, dos figurais dos reisados. Faço também um cinema bastante reflexivo, muitas vezes com forte substrato antropológico e filosófico por conta da minha formação acadêmica.

Revista de CINEMA – Outro traço marcante é a missão de restituir a história e as raízes da cultura popular do Nordeste. Como é isso?


Rosemberg Cariry – Essa é uma constante no meu cinema: desvendar a nossa história a partir de uma ótica popular. E para recontar essa história, trabalho com mitos, com arquétipos e formas de representação, e com o figural das manifestações dramáticas populares. O filme “Siri-Ará”, por exemplo, é uma reflexão sobre os encontros e desencontros dos “mundos” que marcam a invenção da nação brasileira. Diante da impossibilidade de realizar um filme “histórico”, com toda uma reconstituição de época, propusemos um filme de estética ousada, construído a partir dos arquétipos, dos mitos, das narrativas e das manifestações mais profundas dos folguedos dramáticos populares, possibilitando uma nova compreensão da nossa história e da nossa formação cultural. A ação se desenrola no tempo presente, mas o drama apresentado reflete também sobre o passado e a tragédia fundadora. É no sertão que a cultura popular se reinventa como uma nova civilização feita da herança de muitos povos e dos fragmentos de incontáveis culturas. Só depois desse corajoso mergulho na escuridão do tempo, por meio da arte, é que podemos esculpir com luz o rosto brasileiro; o rosto de quem é mil, é mil e um; o rosto do filho bastardo (o pai branco e a índia/negra violentada) que vive o seu exílio na própria nação, real e imaginada.

Revista de CINEMA – O seu cinema se equilibra entre a ficção e o documentário, embora no início de sua carreira essas dimensões ainda fossem mais facilmente identificáveis. Agora, em filmes como o “Cine Tapuia”, por exemplo, é diferente.

Rosemberg Cariry – É verdade. Em “Cine Tapuia” e “Siri-Ará” tentei abolir de vez estas fronteiras entre a vida e o sonho, o presente e o passado, entre a realidade e a representação do real. Mas nos meus filmes anteriores eu já vinha ensaiando essas possibilidades de experimentação. Realidade e imaginário se misturam, são feitos da mesma matéria humana e cósmica. E as artes têm essa capacidade de compreensão e interpretação do mundo pelos canais da intuição, da sensibilidade, da imaginação, da magia, do misticismo... No trabalho de ficção eu trabalho também com o real, mas não acredito em uma representação naturalista que dê ao espectador a falsa impressão de estar vivendo uma realidade refletida no cinema-espelho. O diretor é apenas um condutor, um guia, um oráculo. O ator precisa jogar um papel importante na construção de um filme, reinventar falas, sentimentos e gestos. Desde o momento em que o ator é escolhido, passamos a conversar bastante, ler livros comuns, assistir a filmes-referências, estudar posturas, gestualidades e o caráter dos personagens.

Revista de CINEMA – Seus filmes mais recentes seguem com a liberdade de um fluxo de consciência. Não somente um fluxo de imagens que estabelece unidades de tempo, mas também um fluxo da vida, que concebe a condição dos personagens como algo provisório e que inevitavelmente encara a possibilidade de mudança e a ruptura em um cotidiano que parece se repetir infinitamente. O que você acha?

Rosemberg Cariry – Acho que é um fluxo de consciência, no sentido de que planejo estes filmes, penso neles durantes anos a fio. É também um fluxo de inconsciência, quando eu me permito viver alguns insights. Mas é preciso coragem. A vida é de extrema complexidade, embora possa ser “vivida” como um ato de fé. Em tudo, a impermanência, o sofrimento cósmico, a morte como completude da história do homem. Em cada ato, em cada verso, em cada imagem, o indagar-se por um sentido para a vida. Em nossa imensa fragilidade, debatemo-nos no deserto da condição humana, mas é neste debater-se que a vida se manifesta, que a vida flui, como o rio onde Heráclito banhou-se por apenas uma vez.

Revista de CINEMA – Grande parte dos seus filmes são estradas de muito sonho e poesia, mas cujo sentido parece marcado pela tragédia. Como essas dimensões convivem na sua obra?

Rosemberg Cariry – A tragédia é uma dimensão da poesia. A tragédia é uma marca da cultura popular, ao lado do picaresco, do aventuroso, do místico. A violência é uma constante na nossa história. Não existe o “homem brasileiro cordial”. No Brasil, a vida tem pouco valor e a nossa relação quotidiana se realiza na negação do “outro”, na negação da vida. Na minha infância, todas as histórias que eu ouvia, mesmo tendo aspectos mágicos e encantatórios, sempre falavam de lutas, de conquistas, de mortes. Acho que vem desse universo cultural a violência expressa nos meus filmes.

Revista de CINEMA – Seus filmes são contagiantes de uma maneira bem particular. Em todos eles, percebe-se que muita gente investiu para que eles ganhassem vida. Como é isso?

Rosemberg Cariry – Meus filmes nascem da busca de tradução do vivido e do sonhado, mas sempre se realizam no coletivo, embora guardem a impressão digital da minha alma. Desde a minha juventude, quando estive à frente de alguns movimentos culturais, em Crato e em Fortaleza, sempre tive este dom de reunir pessoas, de fazer do meu sonho pessoal um desejo coletivo.

Revista de CINEMA – Seu cinema, aliás, é um cinema que teve de aprender a se fazer sem muito dinheiro, não é? A opção por uma estética mais figurativa e alegórica também não está relacionada a essas limitações financeiras?

Rosemberg Cariry – Não posso responder a questão posta com muita clareza, pois não conheço o seu oposto, nunca tive o dinheiro necessário para fazer um filme como a produção exigia. Para mim sempre foi muito claro: o destino se faz com o que se tem nas mãos. Nunca tive muito dinheiro para fazer meus filmes, sempre os fiz da forma que pude fazê-los, não sei como seria fazê-los diferente e nem sei se se eu tivesse dinheiro iria fazê-los diferentes, talvez até radicalizasse a linguagem. Acho que o figurativo e o alegórico nascem da vivência com os “figurais” da cultura popular, mas também com o teatro de vanguarda, com as comédias bufas de Maikovski, com o teatro absurdo de Quorpo Santo. O primeiro filme que realizei, em 1975, chamado “A Profana Comédia”, já misturava esses elementos simbólicos e figurativos.

Revista de CINEMA – Essas opções levam muita gente a apontar seu cinema como erudito. O que você acha?

Rosemberg Cariry – Não sei se faço um cinema erudito. É certo que eu trabalho com o erudito, mas trabalho também com matrizes simbólicas populares. Na verdade, busco uma manifestação de arte em que essas categorias não sejam distintas, e tudo se encontre sob um mesmo signo da dimensão simbólica do homem. Acho essa divisão entre o erudito e o popular um conceito acadêmico e datado.

Revista de CINEMA – Como foi que começou sua amizade com o poeta popular Patativa do Assaré?

Rosemberg Cariry – Eu conheci Patativa do Assaré no Crato, no início da década de 1960. Meu pai tinha uma bodega e meu avô era dono do Bar Tupy. Esses dois locais eram pontos de encontro de muitos artistas populares que vinham para a feira. Ali conheci muita gente importante. Entre eles, o Patativa do Assaré. Eu gostava de ficar ouvindo ele recitar para os feirantes. Ele sabia do meu interesse por literatura e poesia e ficamos amigos. Muitas vezes, convidado pelo meu pai, ele ia almoçar na minha casa e lá ficava contando causos, recitando poemas. Desde o início, Patativa surgiu como um mestre, uma voz rebelada, que preenchia os anseios dos artistas adolescentes da periferia do Crato.

Revista de CINEMA – Sobre Patativa, um trabalho que levou anos para ser feito, que filmes você vê em relação ao que queria ter feito?

Rosemberg Cariry – Acho que o filme é este mesmo, na sua precariedade, na sua sujeira, na sua originalidade, na sua força. Este longa foi construído ao longo de quase 30 anos. Acompanhei de perto a trajetória do poeta, as suas lutas, os seus grandes embates políticos, a sua ascensão como um grande nome da cultura brasileira. Eu filmava e registrava Patativa com o que tinha nas mãos: super-8, filme 16mm, vídeo U-matic, Betacam, vídeo digital, etc. Depois editei alguns dos seus livros, produzi alguns dos discos e recitais dele. Foi muito difícil montar este filme. Passei quase três anos mexendo nesse material. Montando e remontando. E, num primeiro momento, fiz um filme imenso. Na verdade, fiz um seriado de cinco filmes, cada um relatando 20 anos da vida do poeta e dos principais acontecimentos históricos, revistos a partir da poesia e da vida dele. Mas depois compreendi que o melhor pra esse filme era ser singelo. Ele devia ser apenas um suporte para que o próprio Patativa se revelasse.

Revista de CINEMA – Como tem sido a recepção do filme?

Rosemberg Cariry – Estamos lançando nacionalmente o filme “Patativa do Assaré – Ave Poesia” pela Sereia Distribuidora aqui mesmo do Ceará. A pré-estreia aconteceu em 2007, no Cine Ceará. Foi um grande acontecimento, com o cinema lotado, aplausos em cena aberta. A estreia comercial foi em Fortaleza, nos cinemas do Grupo Severiano Ribeiro e nas salas do Espaço Unibanco, do Adhemar. A partir de abril, o Adhemar vai exibir o filme em mais 20 salas das principais cidades e capitais brasileiras. O filme será também exibido em salas de cinema de arte e em cineclubes de todo o país. No segundo semestre, lançaremos o DVD, incluindo extras com Patativa recitando poemas completos. O filme também terá um grande circuito popular de exibições gratuitas e sem cabrestos. O destino desse filme é ser do povo, assim como Patativa do Assaré.

Revista de CINEMA – Você já tem algum outro projeto engatilhado?

Rosemberg Cariry – Estou preparando um filme chamado “Os Escravos de Jó”, que se passa em Brasília e conta a história de Samuel e Yasmina. Ele, de família judia nordestina, vem de São Luís do Maranhão, fugindo de um acontecimento violento. Ela, imigrante palestina, vem de Janin, fugindo da guerra. Samuel e Yasmina terminam por se encontrar, por uma única vez, durante uma festa de aniversário da cidade, e seus destinos são marcados por esse encontro casual. Sempre tive a ideia de realizar um filme que, ao mesmo tempo em que indagasse sobre a memória ancestral de um jovem judeu brasileiro, tivesse por leitmotiv a violência (a marcante presença do mal) e funcionasse como uma fábula trágica do tempo em que vivemos.

“Sempre fiz meus filmes com uma linguagem e estética particulares, dentro das condições de produção possíveis, com os recursos disponíveis no momento, respondendo a uma necessidade mais profunda do meu ser no mundo”

“Acho que o barroco e o operístico (dos seus filmes) vêm dos folguedos dramáticos populares, dos figurais dos reisados. Faço também um cinema bastante reflexivo, muitas vezes com forte substrato antropológico e filosófico, por conta da minha formação acadêmica”

“É no sertão que a cultura popular se reinventa como uma nova civilização feita da herança de muitos povos e dos fragmentos de incontáveis culturas”

Notas Sobre a Câmera RED ONE

Saiu na abcine o artigo escrito pelo fotógrafo Affonso Beato, ASC, ABC sobre a Red.
Vale a pena conferir.

Notas sobre a Camera RED ONE

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por Affonso Beato, ASC, ABC

Essas notas foram compiladas a partir da apresentação da camêra para o Comitê de Tecnologia da ASC – American Society of Cinematographers, em 1º de Maio de 2008 no auditório da Academy of Motion Picture Arts and Sciences em Los Angeles.
Todas as notas se referem ao modelo 15 da camêra.

Antes da apresentação, houve uma demonstração informal tanto da camera, como do hardware/software SCRATCH, que propõe decodificar os arquivos .r3d , corrigí-los, criar looks e exportar para dailies para Avid e/ou para DI em formato .dpx. O preço do SCRATCH é de aproximadamente US$32.000

A camera em seu modelo 15, com visor eletronico, on board monitor acoplado e com dois discos rígidos acoplados, ficou disponível para operação e testes com um modelo iluminado em cenario com varias cartas de côr e cartas de resolução . Varios testes foram gravados e transferidos para o SCRATCH e diversas correções e looks foram alí simulados.

A apresentação foi conduzida por Ted Schilowitz, um de seus desenhistas.

Características nominais do RED MYSTERIUM SENSOR:

Single CMOS Bayer chip com formato Super 35 balanceamento 5500 K (daylight)
Dynamic Range ( latitude ) 10 stops ou 66db
Compression: 10:1
12bit wavelet encoding of 4K raw files - .r3d
Visual lossless
True 4K resolution at 30mB/s
Output in SDI for external monitor
P/L mount
Realtime Partial Framesize decode at 1K and 2K
à 30fps – 4K
à 60fps – 3K
à 120fps – 2K ( no modelo 15 )
Recording:

Card 8GB 4.5min in 4K
Hard Disk: 2.5h in 4K
Decoding software : RED ALERT + REDCINE (free software)

A camera se comporta como uma camera de still produzindo arquivo RED RAW (.r3d) em espaço de côr REC 709 (espaço HD). O arquivo (container) contem a informação e um complemento (metadata) com as codificações.

Foi apresentado um demo clip de 9 minutos fotografado por Tony Richmond, ASC, BSC encomendado pela 20th Century Fox para avaliação. A projeção constou de uma versão em filme com DI feito pela Laser Pacific e uma versão DCP (digital cinema) projetados num Sony SXRD 4K.

Após a projeção a discussão sobre as características e visualização foram mediadas por Curtis Clark, ASC , Chairman do Comitê de Tecnologia da ASC, que estará na Semana ABC 2008.

O ASC Technological Committe é formado na sua maioria por membros associados, engenheiros e cientistas dos diversos fabricantes de equipamentos e serviços do audiovisual americano. O diretores de fotografia são minoria nesse comitê.
Estavam presentes representantes da Sony, Panavision, DeLuxe, Technicolor, Efilm, Laser Pacific, Assimilate, Kodak, Arri, entre outros.

A primeira consideração é que a camera não pode ser considerada 4K, nos atuais padrões de apresentação da industria, já que o samplimg do sensor Bayer de quatro elementos por celula, entrega dois elementos em verde , um elemento em Azul e um elemento em Vermelho. Ela então seria uma camera 2K com 4:2:2 ou uma camera 4K 2:1:1. Testes em MTF mostraram que o sensor responde como 4:2:0 , com uma deficiência na resolução do canal vermelho, o que faz sentido quando seu desenhista e diretor de marketing Ted Schilowitz , revela que o sensor é balanceado originalmente para daylight.
O comentário de um dos engenheios da Sony foi que se a RED é 4K, pela mesma teoria o projetor Sony seria 12K, e todas as outras cameras do mercado que se rotulam 2K 4:4:4 (sem compressão) seriam 4K puros….

A perda de resolução no canal de vermelhos fica clara, no excesso de moirê produzido nas panoramicas de cenas em altas-luzes (daylight high key).

Acompanhei no SCRATCH os testes feitos no dia pelo colega Bill Bennet, ASC sub-expondo varios stops e ficou claro que a latitute do sensor não é de 10stops.
O segundo stop de sub-exposição, quando apresentado no SCRATCH, se assemelha à 4 stops de filme. A falta de latitude no balanceamento quando a camera está em Tungsten Mode (balanceada para 3200) é com uma exposição em 320 ISO fica patente, pelo sensor ser originalmente balanceado para daylight e a perda no canal de vermelho for a mais alta.

Ficou claro tambem que os matizes de côr (color gamut) ficam comprometidos já que o arquivo original da camera entrega o gamut REC 709 que é o espaço de côr para sistemas em HD , não tão complexo como o Film gamut, que é completo.

Quando se aumenta o frame rate ( high speed ), o software divide o sensor em menores areas, fazendo com que a distancia focal das objetivas se multiplique por dois em 60fps ( resolução nominal 3K) e se quadruplique em 120fps (resolução nominal 2K) ou seja, se usarmos uma objetiva 25mm em 30fps, ela se tornará uma 50mm em 60fps e uma 100mm em 120fps. Visualmente a resolução em 120fps é sofrivel e se assemelha à 1K.

Esses comentários são de nível tecnólgico e servem à meu ver para conhecermos as possibilidades e limitações da camera em sua versão atual. Segundo Ted Schilowitz, que assina, Leader of the Rebellion da RED Digital Cinema, o sistema RED está em permanente evolução e seus novos firmwares são atualizados e entregues aos atuais proprietários de versões anteriores.

Não podemos deixar de nos entusiasmar por um equipamento que entrega uma imagem bastante nítida por um preço de aquisição de apenas US$18.000 (corpo) + US$2500, (RED zoom lens) + acessorios, o conjunto com monitor e visor por volta dos $ 30000.

Ted Schilowitz, anunciou que em quatro meses estará lançando a RED EPIC com menor compressão do que 10:1 e com o preço aproximado de US$40.000.
No entanto é importante saber que existem no mercado equipamentos digitais, com maior performance , principalmemte no que diz respeito à finalização em Digital Intermediate de longa metragens com distribuição em cópias no processo foto-químico.

Esperamos maiores discussões sôbre o assunto na Semana ABC 2008, onde estão programadas palestras, sobre Filme x Digital, apresentação e hands-on na RED e Silicon Image em cenário iluminado com modelo e cartas de côr além das palestras sôbre Color Space e o ASC CDL por Curtis Clark, ASC.

Interessante vídeo sobre a Camera RED. Vale à pena uma olhada!

http://www.nerve.com/CS/blogs/scanner/shakespeare9.jpg


Shakespere no Cinema

Ademir Pascale



“O Imortal Shakespeare”

Às vezes paro pra refletir e me pergunto: o que seria da língua inglesa sem as influências do excelente dramaturgo William Shakespeare (1564-1616)? Notamos as influências deste dramaturgo por todos os lados; nas telenovelas, cinema, literatura, teatro e até mesmo nas histórias em quadrinhos do Maurício de Souza e Walt Disney. Existem controvérsias e, alguns juram que Shakespeare nunca tenha escrito nenhuma peça teatral e, infelizmente, também acredito que não… Estudando a Literatura Inglesa, poderemos notar que a maioria das peças de Shakespeare, já eram bem antigas e muitas de autores desconhecidos. Naquela época “meados de 1500″ não existia o plágio, todos poderiam copiar as peças uns dos outros e até mesmo modificá-las e melhorá-las e, é isto no que acredito, provavelmente Shakespeare adquiriu várias ou todas as suas obras de outros autores, comprando ou mesmo, copiando. A famosa trama de Romeu e Julieta, acredite se quiser, vem do poema narrativo de Arthur Brooke, A Trágica História de Romeu e Julieta, de 1562, Shakespeare apenas acrescentou e modificou alguns detalhes, mas a história não acaba por ai, pois historiadores dizem que Romeu e Julieta ainda é anterior a obra de Arthur Brooke e o verdadeiro autor é Masuccio Salernitano do ano de 1476, e o título original de Romeu e Julieta era Mariotto e Gianozza, em Il Novelino (só Deus deve saber se parou por ai. Quem sabe a obra ainda não é anterior ao dramaturgo Masuccio Salernitano?). Bom, então não preciso dizer mais nada sobre as outras obras: Hamlet, Otelo, O Mouro de Veneza, Tito Andrônico, A Comédia dos Erros, Sonho de uma Noite de Verão, A Megera Domada, Muito Barulho por Nada (discutiremos muito o filme baseado nesta obra), etc.

Não tenho dúvidas que Shakespeare foi muito importante e, com certeza, todas as obras citadas, carregam uma pitada deste influente autor e dramaturgo. No momento de êxtase das obras, notamos um Shakespeare vivo e somente quem as conhece, saberá do que estou falando.

O Brasileiro e ex-ministro da cultura Ariano Suassuna, teve grande influência de Shakespeare na obra O Auto da Compadecida, com cenas semelhantes da obra O Mercador de Veneza, usando temas políticos, racistas e amorosos. O filme O Auto da Compadecida foi dirigido por Guel Arraes. Vale lembrar também que a época modifica o contexto da obra, e O Mercador de Veneza poderia ser chamado hoje de Shylock – O Judeu, pois no meu ponto de vista, Shylock não era o vilão e sim o herói. (o Judeu Shylock foi retratado como vilão na peça de Shakespeare, simplesmente por praticar a “usura”, tema proibido na época, pois ninguém deveria emprestar dinheiro e cobrar juros e, vocês que não conhecem essa obra, não imaginam como este Judeu sofreu nas mãos dos falsos heróis. Seriam as grandes financiadoras e bancos de microcrédito de nossa época as grandes vilãs? O que dizem os aposentados que ganham um salário mínimo e que pegam emprestado dinheiro das mesmas a juros altíssimos.

O longa Muito Barulho por Nada teve um elenco de peso, com Emma Thompson, Keanu Reeves, Denzel Washington, Michael Keaton e Kate Beckinsale e, ao assisti-lo, inicialmente tive a impressão de um filme terrível, com muita festa, correria, bagunça nos nomes, etc., mas lembrei que era baseado em uma obra de Shakespeare, então levei em consideração, mas, no decorrer e no êxtase da trama, aplaudi de pé; que excelentes interpretações, que ótima história. E pensar que foi escrita há mais de 400 anos, incrível. O surpreendente é que a protagonista Kate Beckinsale (Hero) é a mesma protagonista de Anjos da Noite, Anjos da Noite - a Evolução e Van Helsing - O Caçador de Monstros, incrível, pois em Muito Barulho por Nada, parece uma outra pessoa. O que o tempo e a maquiagem não fazem?

Keanu Reeves ainda tem um papel melhor do que Denzel Washington, que interpreta D. Pedro de Aragon. Keanu Reeves é o vilão “Don João” e, convenhamos, os vilões tem papéis bem mais trabalhados dos que os heróis, eles pensam mais, criam armadilhas, tem melhores narrativas e até os figurinos são mais trabalhados, agora, os heróis, na maioria das vezes nada fazem, usam cuecões por cima das calças, máscaras ridículas, levantam uma espada, dão um grito e vencem os vilões e, na maioria das vezes, são uns verdadeiros idiotas. O que seria do Papa Léguas sem o Coiote? O que seria do He-Man sem o Esqueleto ? O que seria do Jerry sem o Tom e vice-versa ? O que seria do Batman sem o Coringa ou o Charada ? Reflitam…

Bom, vou ficando por aqui e fica a minha dica Muito Barulho por Nada, um excelente filme para você e sua família (a história deste filme é da época em que uma garota que não era mais virgem antes de se casar, era considerada libertina, o casamento era anulado e deveria morrer instantaneamente. Imaginem se fosse assim até hoje?).