Cinema: o futuro da sétima arte
Ronaldo Gomes - Diário do Comércio
Arquivo DC Renato Aragão, Cao Hamburger, Francis Ford Coppola e Kathleen Turner.
Em entrevista durante o festival de Veneza, Francis Ford Coppola disse que seu próximo filme, Youth Without Youth , será todo feito em sistema digital. A declaração do diretor, que consta de todas as listas dos melhores e maiores do cinema, acompanhada da peremptória afirmação de que a captação em película está com os dias contados, pôs os meios cinematográficos em polvorosa e o digital em evidência nos debates sobre o futuro da chamada sétima arte. Mas não é de hoje que os ataques ao celulóide começaram.
Em 1976, Renato Aragão desferiu o primeiro golpe dado no Brasil. Os Trapalhões no Planalto dos Macacos foi rodado em VT, com resultados deploráveis, para facilitar e baratear os "efeitos especiais". O diretor Peter Del Monte fez uma tentativa bem mais ambiciosa em 1987, com Giulia e Giulia , que contou com Kathleen Turner, Gabriel Birne e Sting numa história de amor que, embora passada na Itália, ocorria em dois universos paralelos. De lá para cá as experiências se multiplicaram.
A revolução digital que transformou a sociedade atual em, como dizem os acadêmicos, tecno-científico-informacional, teve tantas conseqüências práticas que se tornou impossível fazer qualquer coisa sem o uso da informática. A cada dia, os processos se popularizam e são aprimorados. Mas o uso, proclamado por Coppola, das tecnologias digitais no cinema ainda está longe da unanimidade. Mesmo no Brasil, onde tradicionalmente as novas técnicas demoram a chegar e quando o fazem são reverenciadas porque nos habituamos a saudar tudo que vem de fora, não há um consenso fácil ou simples. Mas esse talvez seja um sinal de que finalmente estamos maduros para começar a avaliar o que aparece não por sua origem geográfica ou ideológica.
Cao Hamburger, que acaba de lançar O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias , diz querer muito trabalhar com digital, mas acha que a captação por esse meio ainda se presta mais para pequenas produções e documentários, que exigiriam menos da qualidade final. Já o experiente cineasta Luís Alberto Pereira, o Gal, ficou maravilhado com as possibilidades que o digital proporcionou na edição e finalização de seu último filme, o elogiado Tapete Vermelho . Gal diz que não imaginava que o processo pudesse facilitar tanto o trabalho de pós-produção e não só manter a qualidade da captação em película como melhorar a imagem em vários aspectos que seriam impossíveis por outros meios.
De qualquer forma, é possível ver que o Brasil não está, nessa área, tão defasado do resto do mundo como costuma. A Universidade Metodista de São Paulo inaugurou, no começo do ano, o primeiro curso de cinema com ênfase em digital do País.
José Augusto De Blasiis, que divide seu tempo entre a universidade, onde coordena o curso, e o trabalho numa produtora, acha que a visão dos caminhos que podem ser trilhados no setor tem que ser mais ampla. Segundo ele, num mundo em que as salas de exibição de cinema perderam o monopólio da audiência, há espaço para os mais variados tipos de produção, que vão desde a televisão (aberta ou não) até o celular, passando pela internet e outros meios eletrônicos. Cada um tem suas especificidades e necessidades, mas todos são muito bem servidos pelo digital. Ele credita à captação em digital o aumento vertiginoso do número de documentários no Brasil, que respondem por algo entre vinte e trinta por cento da produção nacional.
Embora admita que a qualidade da captação ainda seja inferior a da película, José Augusto De Blasiis afirma que ela está melhorando dia-a-dia e que em poucos anos cumprirá a meta de se igualar ao filme. Mas lembra que a edição em cinema já é feita em digital há uma década e crê que o setor de pós-produção será o primeiro a ser feito excluindo totalmente os processos óticos.
Revolução nas salas de projeção
"Fazer barato e muito rápido não vai produzir uma grande obra", disse o Professor José Augusto.
Para o professor José Augusto, as salas de cinema também passarão por uma revolução. "Aquela sala para onde você vai, no escuro, tem que ser cada vez melhor, cada vez mais diferente de assistir um filme em casa". O professor acha que a sala de projeção será um lugar privilegiado por muito tempo ainda, porque é lá que se dá o primeiro e principal encontro. O público que vai a cinema é diferente porque está disposto a enfrentar uma série de inconveniências e pagar mais caro para ter uma relação especial com o filme. Por isso, essa forma de consumo ainda é a maior vitrine da indústria cinematográfica, o grande espaço de lançamento, onde a produção recebe o aval de um público especializado que lhe agrega valor para o consumo por outros meios.
Mas a projeção digital, que em qualidade já está alcançando a óptica, elimina as cópias de filmes e cria facilidades que, segundo o professor, vão ampliar muito os usos do cinema, inclusive com uma interpenetração de outros meios eletrônicos, democratizando esse espaço que deixaria de veicular apenas o que foi concebido para ser exibido nos grandes circuitos comerciais.
Medo e preconceito - José Augusto De Blasiis considera as reservas que ainda existem na área frutos principalmente do preconceito e do medo da democratização trazida pelo digital. "Hoje você pode captar, editar, finalizar e veicular a partir da sua casa, graças à internet", afirma ele. Agora, "fazer barato e muito rápido, a não ser que você seja altamente competente, não vai produzir uma grande obra. Há toda uma escala de qualidade e de características de produto que não pode ser desprezada". Portanto, não é o suporte, a exclusividade ou a ampliação do acesso que asseguram essa qualidade ou a capacidade comercial, afirma o professor. "Então, abrir e democratizar o espaço é dar possibilidade de se enxergar qualidades que o próprio mercado tem dificuldade para filtrar". Para ele, os espaços abertos e as revoluções provocadas pelas novas tecnologias estão apenas começando a se delinear. Para nós só resta aguardar. ( RG )
domingo, abril 23, 2006
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