sexta-feira, março 03, 2006
Crítica Cinematográfica - Cinema Digital
Tsotsi
Murilo Costa de Paula - Aluno de Cinema digital
Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2006, o filme Sul-africano é uma das surpresas do ano, tendo desbancado filmes como “Paradise Now” e “Joyeux Noel” na disputa da cobiçada estatueta. Dirigido de forma muito competente e segura por Gavin Hood, o longa nos conta a história de Tsotsi, um morador de favela que faz do crime sua profissão. Visto como um líder pelos amigos, ele é um criminoso frio e impiedoso.
Tsotsi e sua pequena gangue escolhem suas vítimas na estação da cidade, roubam-nas nos trens e dividem o dinheiro. Esses pequenos atos fazem parte da rotina do grupo, garantindo o dinheiro do pão e da cerveja consumidos no dia-a-dia. Mas em uma dessas ações as coisas se complicam; um homem esboça uma reação ao assalto, e é morto. Seu corpo é largado no vagão vazio, e todos fogem assustados.
O grupo já não é mais o mesmo. Tsotsi agiu precipitadamente ao matar o sujeito, e todos sabem disso. No bar onde vão após o assalto, o clima é tenso.. Todos na mesa têm medo de questionar a atitude de seu líder. Apenas o “professor”, Boston, toma coragem e enfrenta Tsotsi. O código moral deles foi quebrado; não se consideram criminosos, agem daquela forma por culpa da sociedade, tomando para eles o que lhes foi negado pelo regime cruel do capitalismo. É algo em que acreditam piamente, uma forma de manter sua decência. E Tsotsi infringiu as regras.
Por algum motivo, Tsotsi é frio e cruel. Boston o provoca, dizendo que algo destruiu o ser humano dentro dele, alguma decepção profunda levou sua decência; talvez uma mulher, ou os próprios pais.. Tendo sua autoridade confrontada, Tsotsi parte para cima do amigo e o espanca cruelmente. Temendo ter o mesmo destino de Boston, ninguém mais ousa enfrentar Tsotsi.
Tsotsi sai do bar e decide agir sozinho. Escolhe uma bela casa, em um bairro nobre. Uma mulher chega de carro, e é abordada por ele. Tsotsi rouba o carro, atira na mulher, e foge. Mas algo saiu errado: há um bebê no banco traseiro.
A partir desse momento, há uma grande mudança na narrativa. Tsotsi decide criar o bebê por sua própria conta, e vemos seu lado humano. Em flashbacks, conhecemos sua dura infância, com a mãe doente e um pai alcoólatra e repressor. Passamos a entender e compreender aquele personagem tão estranho e complexo.
Numa jornada de redenção, Tsotsi procura resolver seus traumas e conflitos internos, revisitando locais importante de sua infância, questionando o porquê de viver em condições miseráveis, tudo enquanto tenta cuidar em segredo daquela criança. Inicia assim uma reconstrução de sua “decência” e humanidade perdidas.
Os diálogos são muito interessantes, revelando personagens humanos e complexos. Destaque para o “professor” e para o mendigo da estação, sendo que este último participa de uma das melhores cenas do longa. Acuado por Tsotsi, e tendo o sentido de sua vida questionado, ele não consegue dar uma resposta satisfatória; não há um motivo palpável para a sua existência, ele apenas prossegue.
A fotografia do filme é muito boa, com belos planos gerais, enquadramentos e movimentos de câmera bem realizados. Não há grandes ousadias estéticas, mas aqui elas não fazem falta. O essencial está presente, e a composição cuidadosa dos planos resulta em belas seqüências visuais, como a que Tsotsi sozinho pelo campo, relembrando o mesmo caminho tomado anos atrás, quando fugiu de casa. Há também um plano que sintetiza a situação da África do Sul contemporânea: quando os policiais encontram o carro roubado e se dão conta da falta do bebê, a câmera faz um movimento de grua e sobe para revelar uma enorme favela no horizonte, para onde os policiais se voltam com uma expressão de derrota. A favela é vista como uma fortaleza impenetrável, um problema insolúvel, que assombra os moradores dos bairros nobres.
Sem grandes ousadias, o diretor nos mostra que é possível realizar um grande filme partindo de uma história simples, porém bem trabalhada, com atuações muito boas de todo elenco, e uma trama bem amarrada, sem buracos que dificultem sua assimilação. Em momento algum a narrativa cansa o espectador. Pelo contrário; o ritmo é forte, e deve agradar até mesmo os mais acostumados ao cinema hollywoodiano.
Um argumento comum, mas bem estruturado em seus personagens, em seu cenário e contexto histórico-cultural. Além de ser um cinema questionador e social, Tsotsi também é entretenimento de qualidade.
23/10/2006
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2 comentários:
Ótima iniciativa de todos.
Melhor ainda
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