domingo, maio 24, 2009

Crítica/"Cassy Jones - O Magnífico Sedutor





DVDs



Em seu último longa, Person faz paródia da pornochanchada

Comédia erótica inconsequente tem sequências memoráveis de humor surreal

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Luiz Sergio Person (1936-1976) inscreveu seu nome na história do cinema brasileiro com dois filmes seriíssimos, "São Paulo S/A" (1965) e "O Caso dos Irmãos Naves" (1967), mas seu último longa, "Cassy Jones - O Magnífico Sedutor" (1972), é uma comédia erótica absurda.
Paulo José, no papel-título, é o conquistador irresistível, por quem todas as mulheres do Rio se apaixonam. O assédio chega a aborrecer o herói, que entra em crise e se vê ameaçado pela impotência, antes de conhecer uma linda moça órfã (Sandra Bréa, num de seus primeiros papéis) tiranizada pela governanta (Glauce Rocha, em seu último filme). Aí é ele que se apaixona.
Esse fio de enredo é mero pretexto para uma sucessão de sequências mais ou menos disparatadas, animadas por um humor excêntrico, surreal, que homenageia o teatro de revista, a chanchada, o tropicalismo e a jovem guarda. (Não por acaso, Person preparou pouco antes um filme com Roberto Carlos, que não se concretizou.)
Algumas dessas sequências são memoráveis, como a do pesadelo em que Cassy Jones se vê como juiz de futebol, xingado de "bicha" pelo Maracanã lotado, ou a de seu disfarce de professor francês de balé para invadir o reduto da donzela cobiçada. Há passagens de puro pastelão, com recursos um tanto fáceis de cinema mudo: movimento acelerado, perseguições à la Keystone Cops, trombadas e tropeções.
Mesmo nos momentos menos inspirados, é perceptível a alegria com que Person parodia a então florescente pornochanchada, gênero já paródico por excelência, misturando referências a outras linhagens do cinema, bem como à TV, à publicidade e à música popular.

Crítica social
Deliciosamente inconsequente, o filme não tem compromisso algum com a verossimilhança. A crítica a um país deslumbrado com o consumo e a modernidade (o Brasil do "milagre") se dá pela exacerbação cenográfica, pela extravagância dos figurinos e das cores, pela montagem frenética, pela ironia geral da mise-en-scène.
As músicas, a começar pela contagiante canção-título, são de Carlos Imperial, que aparece numa cena de programa de auditório.
Agora que as comédias de costumes voltam a fazer sucesso (vide "Se eu Fosse Você 2" e "Divã"), nada melhor do que cotejá-las com um exemplar saído de outro tempo, de outro cinema, de outro Brasil.


CASSY JONES - O MAGNÍFICO SEDUTOR

Lançamento: Videofilmes
Quanto: R$ 45, em média
Classificação: não indicado a menores de 16 anos
Avaliação: bom

EXTRAS TÊM CURTA FEITO EM ROMA

No início dos anos 60, Person estudou no Centro Sperimentale di Cinematografia, em Roma. Os extras do DVD incluem seu curta "O Otimista Sorridente", realizado durante o curso. Sem diálogos, o filme, em preto-e-branco, mostra um jovem que perambula pelas ruas contagiando as pessoas com música, poesia e dança.

DVD/Folha



"Rastros de Ódio", de John Ford, é o próximo DVD da Coleção Folha

Protagonizado por John Wayne, filme é considerado obra-prima de Ford

DA REPORTAGEM LOCAL

John Ford era famoso por seu mau humor e extrema objetividade (para não dizer secura) na hora de dar entrevistas. Recusava o rótulo de grande artista e definia-se assim: "Meu nome é John Ford e faço westerns". Mas é difícil negar que tenha sido um dos artistas mais influentes do século passado, afinal seus filmes correram o mundo e ajudaram a criar toda uma mitologia da América.
Próximo volume da Coleção Folha Clássicos do Cinema (nas bancas em 31/5), "Rastros de Ódio", de 1956, é considerado o melhor filme de Ford. Isolado, o filme se sustenta perfeitamente como obra-prima, mas ganha sentido especial à luz da evolução de sua parceria com John Wayne, o mais constante ator de seus westerns.
Como bem observa Martin Scorsese em seu documentário sobre cinema americano ("Uma Viagem Pessoal pelo Cinema Americano"), o western atinge uma complexidade ímpar em "Rastros de Ódio" graças, em grande parte, à riqueza do personagem de Wayne, Ethan Hunt.
O filme se passa no Texas, em 1868. Quando começa, Hunt volta à casa do irmão Aaron (Walter Coy). Sabemos que ele foi lutar na Guerra da Secessão, mas ele só reaparece três anos depois do fim da guerra, e não fica claro por onde andou. Hunt volta amargo e racista como nunca. Odeia os índios a ponto de rejeitar frontalmente Martin Pawley (Jeffrey Hunter), jovem mestiço que protegeu quando criança e entregou para seu irmão criar como um filho.
Depois que um grupo comanche mata seu irmão e sua nora e rapta as sobrinhas Lucy e Debbie, Ethan se junta a Martin para uma busca que vai durar cerca de sete anos.
A tradição narrativa do cinema americano e a grande capacidade de composição visual de Ford unem-se à perfeição neste filme. No livro que acompanha o DVD neste volume da coleção, há trechos da rica fortuna crítica em torno de John Ford, além de ensaio do crítico da Folha Inácio Araujo.
Como observa Araujo, "Rastros de Ódio" começa com uma porta que se abre e termina com a mesma porta se fechando -entre esses dois momentos, acompanhamos a aventura de um anti-herói. "Mas podemos tentar ver as coisas por outro ângulo: a porta que se abre, no início, ou que se fecha, no final, são objetos por onde a luz passa ou não, dividindo a tela em vastas regiões de claridade e sombra. (...) No final, o fechamento da porta nos lembra de que a grande epopeia acabou. A tristeza fica para nós, espectadores (único consolo: poder voltar a ver o filme)".

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