segunda-feira, junho 05, 2006


Laís Bodanzky filma os velhos jovens

Diretora de "Bicho de Sete Cabeças" volta ao set com "Chega de Saudade", longa ambientado em baile da terceira idade.

Para cineasta, personagens de seu filme têm as marcas próprias da adolescência, "abertura para descobertas e para ter grandes emoções" .

SILVANA ARANTES
Folha de S. Paulo

São 11h de uma ensolarada manhã de terça, na Barra Funda, zona Oeste de São Paulo. Mas não na casa de shows que ocupa a esquina das ruas Guaicurus e Faustolo. Lá dentro, é noite. E noite sem luz.Um pique de energia acaba de calar a banda (capitaneada pela cantora Elza Soares) e esvaziar a pista de dança que o casal Alice (Tônia Carrero) e Álvaro (Leonardo Villar), costuma "roubar", com seus passos.O corte de luz é um dos muitos acontecimentos ao longo desta noite de baile para a terceira idade que compõe a espinha dorsal de "Chega de Saudade", novo longa de ficção da diretora Laís Bodanzky.Para afastar a luz do dia do sobrado onde funciona a (real) casa de shows União Fraterna, endereço das filmagens, a equipe contorna as janelas do salão com um andaime e o envolve com tecido negro.Na passarela entre as janelas e o breu, o assistente de maquinaria Marcos Diógenes faz o "papel" dos carros. Ele circula para lá e para cá, carregando um refletor nas mãos. Simula, assim, o reflexo de faróis nas janelas. Trabalho pesado? "O problema não é o peso. É que esquenta", afirma.O jato de luz que Diógenes entorna no salão encontra Ernesto (Luiz Serra) sentado junto à janela. Ele é o rosto de um homem em crise.Assíduo ao baile, Ernesto é conhecido de todos -e principalmente de todas- como sendo viúvo. Mas ele é casado e acaba de ser informado de que sua mulher está na chapelaria.Essa é "a cena da virada" de Ernesto no filme, como define Bodanzky. Serra a interpreta uma, duas, três vezes. Bodanzky pede a quarta tomada, agora com a câmera mostrando Ernesto em "close". Serra diz tudo de novo. "Corta!", diz Bodanzky, reprovando o resultado: "Ficou sem ritmo. Quero a cena completa outra vez".Ernesto conta uma vez mais para o garçom (Marcos Cesana) a crônica de seu desencontro conjugal. Findo o discurso, ele veste o paletó, pesca no bolso a aliança escondida, mete-a no dedo, penteia os cabelos e parte para enfrentar o problema.Desta vez, a tomada não só valeu, como ficou boa o bastante para que se pudesse contar em minutos o tempo do emocionado abraço trocado em seguida entre a diretora e o ator."Minha grande aflição como diretora neste filme é que não posso escorregar com nenhum ator", diz Bodanzky. Trama de muitos personagens, construída pelo roteirista Luís Bolognesi, "Chega de Saudade" "é como se fosse um hai-kai", diz ela.A tendência é que cada personagem principal tenha sua história contada brevemente, com uma grande cena. Se essa falhar, o personagem terá poucas chances de se redimir no filme. A de Serra não falhou.
"Segundo parto"Saudada em sua estréia em longas com "Bicho de Sete Cabeças" (2001), em que Rodrigo Santoro vivia um adolescente levado ao manicômio pelos pais que o descobriram com um cigarro de maconha, Bodanzky sabe que há grande expectativa em torno de seu segundo longa. "Incomoda-me que as pessoas façam comparações", diz. Porém, uma aproximação entre o novo filme e o anterior é ela mesma quem faz."Ninguém imagina, mas esse também é um universo adolescente. São pessoas [os freqüentadores dos bailes de terceira idade] com uma atitude de deixar que a vida aconteça e um espírito aberto para descobertas e para ter grandes emoções, como são os adolescentes", diz.Entre um filme e outro, Bodanzky teve duas filhas, dirigiu uma peça de teatro e coordenou um programa de exibição itinerante de filmes.Na volta ao set, a diretora sentiu o mesmo "frio na barriga" de antes e reencontrou os desafios das filmagens como quem "sente a dor do segundo parto". A estréia do novo longa está prevista para 2007.

"O cinema está melhor que nunca", diz Tônia

"Você não sabe como era agradável", diz a atriz Tônia Carrero, sobre o início de sua carreira, na companhia cinematográfica Vera Cruz, o sonho da Hollywood Brasileira.Tônia foi a estrela da Vera Cruz, em filmes como "Apassionata" (1952) e "É Proibido Beijar" (1954). Mas não há traço de saudosismo em seu comentário sobre o passado."O cinema brasileiro está melhor do que nunca, está como a gente sonhou que seria", diz. Ela é testemunha e exemplo do aquecimento recente da produção nacional.Interpretando "uma mulher de mais de 80 que tem uma paixão recalcada pelo parceiro [de dança de salão]", em "Chega de Saudade", de Laís Bodanzky, Tônia, 84, já confirmou seu nome na ponta do elenco de "Vendo ou Alugo", um projeto de Betse de Paula. Ela será a proprietária de uma casa na Rocinha, que tenta se desembaraçar do imóvel, de qualquer modo.Com "Chega de Saudade", Tônia confirmou que seu status de estrela continua intacto, quando percebeu que recebia aplausos da figuração por simplesmente caminhar pelo set.Aos 84, Tônia tem um andar menos desenvolto do que gostaria. "A disposição do corpo não é a mesma", diz, sobre a chegada da velhice, que descreve como um poema: "De repente, não mais que de repente. Não se sente. De repente se acorda e está-se velha. Ora, que novidade besta".Vaidosa assumida, Tônia diz que fez "o último retoque" em seu rosto em 1980. Agora, apenas "capricha um pouco" ao se arrumar e faz sessões de alongamento três vezes por semana. De São Paulo, ligou para o seu cabeleireiro, no Rio, para não errar o tom do cabelo.Já ouviu dizer que há uma nova geração de atores petulante. Não acreditou. "Veja o Lázaro Ramos, pode ser melhor e mais carinhoso do que ele? Sempre que me vê, vem me beijar a mão", diz. Ela desconfia que a deferência de Ramos seja um reconhecimento ao fato de ela haver "resistido a todas as intempéries da profissão".

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