Do portal G1.
Falta de bons atores prejudica desempenho de 'Watchmen'
Intérprete de Rorschach é destaque, mas não supera Coringa de Ledger.
Superficialismo do diretor põe em cheque complexidade da HQ original.
Mateus Potumati Especial para o G1
A partir desta sexta, o mundo de fãs de quadrinhos se mobiliza para cumprir uma obrigação solene: assistir à estreia de “Watchmen - O filme” – a mais aguardada, patrulhada e conturbada adaptação de uma HQ para o cinema na história. Se você não se enquadra necessariamente nessa categoria (o que, pela matemática, provavelmente é o caso), talvez esteja se perguntando, “o que eu tenho a ver com isso?"
Quem vai ao cinema sem conhecer a história e espera um filme de ação cheio de pancadaria, efeitos e trama policial, precisa entender umas coisas antes. “Watchmen” não é uma história de super-herói qualquer. E isso, por mais que pareça o papo daquele amigo nerd que tentava convencê-lo a ler gibi, é bem sério. “Watchmen” se situa junto às melhores obras de ficção científica e política do século XX. É pesado, perturbador e complexo.
A história é hermética, construída sobre referências ao universo dos heróis – o Comediante, por exemplo, é uma versão psicologicamente deformada do Capitão América; Dan Dreiberg, alter-ego do Coruja, é como um Clark Kent que resolveu levar uma vida normal.
O contexto político também exige algum embasamento: o mundo onde se passa a trama é uma realidade paralela situada nos anos 1980, que faz os reacionários anos Reagan parecerem o governo Obama. Nele, os EUA ganharam a Guerra do Vietnã – com a ajuda dos heróis –, e a tensão entre EUA e URSS está prestes a esquentar a Guerra Fria. O presidente do país, pela terceira vez consecutiva, é o ultra-conservador Richard Nixon, que na vida real renunciou em 1974 após o escândalo Watergate.
É uma realidade distante até dos jovens americanos de hoje, quanto mais dos brasileiros. “Watchmen” exige um comprometimento muito maior do que “Homem-Aranha”, e estômago mais forte do que “Batman – O cavaleiro das trevas”. Não é filme para levar a namorada, a não ser que a sua namorada realmente goste de ver filmes. Portanto, só vá ao cinema se você estiver disposto a entender isso – e nesse caso vá mesmo, que a sessão vale o ingresso.
Se você, ao contrário, já sabe mais ou menos o que esperar, a conversa é outra. A principal pergunta que todos se faziam, desde que a história toda começou, era: “vai ser fiel à HQ?” Isso, você também já deve saber, está garantido. Qualquer adaptação para o cinema sempre engole algumas coisas e enxuga outras, mas o principal está ali, imaculado até às citações textuais exatas – exceção feita ao final, diferente na solução mas essencialmente o mesmo.
Atores inexpressivos
O fato de seguir à risca uma história genial, levada às telas com preciosismo técnico e estético incomparável, garante um filme no mínimo bom. Isso, certamente, vai fazer a alegria da grande maioria dos exigentes fãs da história. Mas, fora isso, o que há em “Watchmen”?
Do ponto de vista do elenco, faltam atuações memoráveis. É algo dispensável em filmes comuns de herói, mas um projeto com tantas ambições deveria considerar melhor a possibilidade.
A decisão de não escalar atores famosos aparentemente buscou priorizar a trama, mas personagens fortes saíram prejudicados, como o Comediante (Jeffrey Dean Morgan) e o Dr. Manhattan (Billy Crudup). O único destaque é Jackie Earle Haley, que faz Rorschach, narrador e personagem principal. Firme e soturno, Haley ficou à altura do papel. Mesmo assim, não chega perto da atuação de Heath Ledger em “Cavaleiro das trevas”.
As escolhas da adaptação prejudicaram pelo menos duas cenas fundamentais: as sessões de Rorschach com o psicólogo e as divagações do Dr. Manhattan em Marte. Resumidas demais, ambas perderam em profundidade.
Em outros momentos, quando a adaptação insere elementos alheios ao original, a qualidade dos diálogos e do andamento cai. Isso é perceptível na sequência final, ou na pirotecnia dispensável na cena de orgasmo de Espectral.
Esses detalhes devem excluir o filme da disputa por algum prêmio nobre do cinema e são indícios das deficiências de Snyder, que se sai bem apenas quando se limita à reprodução literal do original. É provável que ele nunca tenha tido tais ambições, mas a história certamente tinha espaço para isso.
Desfecho conservador
Apesar do contexto político distante, também é inevitável pensar nos anos Bush. A história de Alan Moore joga com a ambiguidade entre mentira e verdade, bem e mal, meios e fins, expondo a complexidade das relações éticas e morais humanas. Nada mais adequado, portanto.Na adaptação, como o andamento é mais superficial, essa discussão fica esvaziada. No final, é quase como se o desfecho conservador fosse justificado, como a invasão de certo país do Oriente Médio mediante a bravata da destruição em massa. Não se trata de acusar Snyder de propaganda republicana, mas o mal-estar esperado, que seria bem vindo, fica amenizado.
Seja como for, “Watchmen – O filme” tem o notável mérito de gerar esse tipo de discussão em torno de uma história em quadrinhos, e amplificá-la em escala geométrica. Resta saber o que você, que não conhece o quadrinho, vai achar.
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