segunda-feira, junho 08, 2009

Cannes de A a Z

Fotografia de Anthony Dod Mantle ajuda a criar a atmosfera sombria do filme (Foto: Divulgação)

A de 'Antichrist'


Ame ou odeie-o, o novo filme de Lars von Trier foi o que mais polêmica conseguiu causar no Festival de Cannes. Primeira incursão do diretor dinamarquês no cinema de terror, o longa traz cenas fortíssimas de sexo e mutilação protagonizadas por Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg. Os jornalistas chiaram, mas o júri gostou e deu a Gainsbourg o prêmio de melhor atriz.

B de Brasil


Com apenas dois longas-metragens exibidos na programação oficial - e nenhum concorrendo à Palma de Ouro -, o Brasil teve uma participação bem mais discreta do que em 2008, quando teve dois filmes competindo e ainda arrematou o prêmio inédito de melhor atriz para Sandra Corveloni por "Linha de passe". "À deriva", longa mais autoral de Heitor Dhalia, teve uma boa recepção na sessão Un Certain Regard. Já "No meu lugar", estreia de Eduardo Valente no formato, foi exibido para poucos e não empolgou a crítica nacional ou internacional.

C de Coppola


Também correndo por fora, o lendário cineasta Francis Ford Coppola exibiu seu novo e inédito longa-metragem, "Tetro", na mostra paralela Quinzena dos Realizadores. Espécie de "Poderoso chefão" à argentina, com rastros autobiográficos e linguagem tetral, o filme traz Vincent Gallo no papel principal, como um escritor norte-americano frustrado que deixa os Estados Unidos fugindo do pai opressor para começar uma vida nova em Buenos Aires. "Nada ali realmente aconteceu, mas é tudo verdade", afirmou, enigmático, o diretor aos jornalistas.

Cena de 'Das weisse band', de Michael Haneke (Foto: Divulgação)

D de 'Das weisse band'


Vencedor da Palma de Ouro deste ano e dos prêmios de direção e do júri com filmes anteriores, o austríaco Michael Haneke voltou a despontar como favorito, na segunda semana do festival, logo na primeira sessão de "Das weisse band" para a imprensa. Com uma estética sóbria e filmado todo em preto-e-branco, o longa é uma espécie de análise do diretor sobre os perigos do fanatismo religioso e político. Nesse caso específico, ele mostra como um vilarejo rural aparentemente pacato ao norte da Alemanha do início do século 20 abrigou um grupo de cidadãos de convicções morais tão rígidas quanto pervertidas que acabariam desembocando no nazi-fascismo dos anos que viriam.

E de Estrelas


Para os fãs mais atentos ao mundo das celebridades do cinema, Cannes 2009 foi também mais discreto do que a edição do ano passado. Os atores que mais causaram frisson no tapete vermelho e nos corredores do Palácio dos Festivais foram Penélope Cruz, que competia com "Los abrazos rotos", de Almodóvar, e Brad Pitt, estrela do novo filme de Quentin Tarantino, "Inglorious basterds". Os pouquíssimos jornalistas que conseguiram uma entrevista particular com o marido de Angelina Jolie tiveram de pegar uma van exclusiva em um ponto de encontro pré-marcado e se dirigir para o local secreto onde o astro de Hollywood estava hospedado. Os jornalistas brasileiros também tiveram seus cinco minutos de paparazzi, especialmente com a presença do casal Grazi e Cauã Reymond (que faz uma ponta de "À deriva") e do escritor Paulo Coelho, que veio à riviera francesa lançar seu novo livro, ambientado em Cannes, e anunciar a estreia do filme colaborativo "A bruxa experimental".

F de Futebol


Se no ano passado, Maradona veio a Cannes, este ano foi a vez de Eric Cantona. Ídolo dos torcedores do clube inglês Manchester United, o ex-jogador francês conhecido por sua língua afiada enfiou uma bola por baixo das pernas da crítica ao saber que também pode atuar. Cantona é o destaque de "Looking for Eric", comédia dramática de Ken Loach que conta a história de um carteiro apaixonado por futebol que vive uma crise pessoal com a ex-mulher e os filhos. Numa performance hilária, o atleta acaba encarnando uma espécie de técnico que dá dicas para tirar o fã da miséria emocional em que se encontra.

Cena do filme chinês 'Spring fever', de Lou Ye (Foto: Divulgação)

G de Gays


Também não foram poucos os filmes que lidaram com a homossexualidade no festival. Filmado clandestinamente na China, onde o assunto ainda é tabu, "Spring fever", de Lou Ye, foi agraciado com o prêmio de melhor roteiro. O filme, que mostra as dificuldades e a realidade do submundo gay no país, conta a história de um homem que é flagrado com seu amante por um detetive particular contratado por sua mulher. Com o fim da relação, o detetive acaba se apaixonando pelo personagem que deveria seguir e formando um triângulo amoroso com um desfecho trágico. O tema também aparece em "Taking Woodstock", de Ang Lee, e na comédia de Jim Carrey - com Rodrigo Santoro e Ewan McGregor - "I love you, Phillip Morris", exibida fora da seleção oficial.

H de Heath Ledger


O ator australiano, morto em 2008, se despediu finalmente das telas com a exibição de "The imaginarium of Doctor Parnassus". Dirigido por Terry Gilliam, o longa traz a última - e inacabada - participação de Ledger em um filme. Para preencher o vazio deixado por ele, Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrell toparam entrar no projeto, doando o cachê para a filha do ator. Merece destaque a coragem e a forma criativa como Gilliam conseguiu encaixá-los na história, todos interpretando o mesmo personagem. Nos créditos finais, aparece a dedicatória "Um filme de Heath Ledger e seus amigos".

I de Indie rock iraniano


Teerã, quem diria, também tem a sua cena de bandas de rock underground, com músicos influenciados por nomes que vão de Beatles e Metallica a Stroke e até os islandeses Sigur Rós. A diferença maior é que na capital do Irã montar uma banda - seja lá qual for o gênero - só é permitido com a permissão oficial do estado. Vigiados pelos próprios vizinhos, os jovens precisam bolar as estratégias mais inusitadas para conseguir tocar em shows, festas e até para fazer seus ensaios. A dura realidade é retratada em "No one knows about persian cats", metade ficção, metade documentário, do diretor Bahman Ghobadi.

J de Júri da competição


A escolha da atriz Isabelle Huppert, com fama de durona, para presidir o júri da competição oficial causou certo frisson entre os jornalistas que cobriam o evento. Seria ela "corajosa" o suficiente para dar a Palma a um de seus maiores diretores, Michael Haneke? Sim, ela teve. Sua personalidade forte iria causar rachas e brigas internas com o restante dos jurados? Bem... mais ou menos. "Houve rumores de que a gente estava brigando, mas a beleza de trabalhar entre amigos é que mesmo que não concordemos, ainda assim nos amamos. Foi o calor, as discussões e o confronto de mentes que fez desse nosso trabalho algo tão bonito", declarou a atriz Robin Wright-Penn na coletiva de encerramento. Também parte do júri, Asia Argento consertou: "
foi um processo muito democrático. Ouvindo as ideias dos colegas, mudei a minha cabeça sobre algumas das escolhas".

K de 'Kinatay'


Violento e de difícil assimilação, o longa-metragem filipino de Brillante Mendoza surpreendeu com a vitória na competição oficial com o prêmio de melhor direção. Filmado com uma crueza arrepiante, "Kinatay" acompanha um dia na vida de um jovem aspirante a policial que se rende à corrupção para garantir o sustento da mulher e do filho. Uma de suas primeiras missões é ajudar no sequestro de uma prostituta que, uma vez no cativeiro, é estuprada e esquartejada pelo grupo de gangsters.

Em 'Los abrazos rotos', novo filme de Almodóvar, Penélope Cruz interpreta uma atriz que atua em uma comédia com visual inspirado em Audrey Hepburn (Foto: Divulgação)

L de 'Los abrazos rotos'


O novo filme de Pedro Almodóvar não empolgou a crítica nem o júri nesta edição do festival. Estrelado por Penélope Cruz, o longa conta a história de um escritor e diretor que se apaixona pela atriz de uma de suas comédias. Recheado de referências a filmes de grandes cineastas e a outros de sua própria carreira, "Los abrazos rotos" foi descrito pelo espanhol como uma homenagem pessoal ao universo e ao ofício do cinema. Então, tá...

M de Mães


Obstinadas, violentas ou simplesmente muito loucas, as personagens maternas marcaram forte presença nos filmes selecionados para a mostra. Entre os destaques estão a mãe judia de "Taking Woodstock", a desequilibrada de "Mother", de Bong Joon-ho, a submissa de "Dogtooth" (leia mais abaixo) e a sogra catatônica de "Thirst", de Park Chan-wook. Sem falar em Débora Bloch, que interpreta uma mãe alcoólatra no brasileiro "À deriva". Resta saber se as mães dos diretores ficaram orgulhosas.

N de Nudez


Se recentemente o Brasil - ou parte dele - andou chocado, protestando contra a nudez e o excesso de cenas de sexo no cinema nacional, nas telas de Cannes, o desfile de pelados e peladas era interminável. Só entre os 20 filmes da competição oficial, mais da metade continha sequências explícitas de sexo. Menções honrosas para a cena de abertura de "Antichrist", gravada em câmera lenta, preto-e-branco e ao som de ópera, para o "amorzinho" debaixo dos lençóis em "Los abrazos rotos", para o motel em formato de vagão de metrô de "Map of the sounds of Tokyo", de Isabel Coixet, e para a transa barulhenta e desengonçada dos vampiros em "Thrist". Ainda que mais comportadinho, as brasileiras ainda vão poder espiar a relação insinuada entre Cauã Reymond e duas personagens - uma de cada vez! - em "À deriva".

O de Oriente Médio


Além do iraniano, "No one knows about persian cats", os conflitos da região foram abordados em "The time that remains", do diretor palestino Elia Suleyman. Considerado por alguns o injustiçado na premiação final, o filme de tintas autobiográficas narra a infância do cineasta na cidade de Nazaré desde a ocupação israelense da década de 1940 até hoje. Bem-filmado, o longa adota uma postura irônica para tratar das contradições de se viver em um país dividido política, cultural e religiosamente. Antológica desde já é a cena em que um palestino deixa sua casa para retirar o lixo e falar ao celular e é perseguido pela mira de um canhão de tanque de guerra enquanto anda de lá para cá no meio da rua.

P de 'Panique au village'

Correndo por fora de competição, a animação belga ajudou a garantir boas gargalhadas em meio a tantos filmes sombrios do festival. Gravado em stop-motion, com bonecos de brinquedo e cenários toscos de plástico e papel, o longa-metragem conta a história de um caubói, um índio e um cavalo que dividem a casa em uma fazenda. Exibida como série de TV na Bélgica e na França, a produção lembra os desenhos do Adult Swim, da Cartoon Network, repleta de personagens histéricos e situações de completo non-sense.

Brad Pitt como o tenente Aldo Raine, chefe do grupo de caçadores de nazistas conhecido como 'Os bastardos' (Foto: Divulgação)

Q de Quentin Tarantino


A expectativa era imensa. Mas, apesar da atuação impecável - e premiada - do alemão Christoph Waltz como um general nazista sagaz e poliglota, "Inglorious basterds", o novo de Tarantino, acabou tendo uma recepção morna por parte do público. O principal motivo foram as pouquíssimas cenas de ação e o excesso de diálogos intermináveis que se arrastam por quase três horas de filme. As críticas podem surtir efeito. Após a sessão, rumores davam conta de que Tarantino deve apresentar uma versão reeditada, com cortes, quando o longa finalmente chegar aos cinemas, em outubro.

R de Resnais


Um dos grande mestres vivos do cinema francês, Alain Resnais voltou a Cannes em ótima forma - e garantiu o Prêmio Excepcional pelo conjuto de sua obra. "Les herbes folles", novo filme do diretor de "Hiroshima, meu amor" e "O ano passado em Marienbach", comprova como Resnais também domina as comédias. Embalado em humor inteligente e altas doses de sarcasmo, o filme é estrelado pelo ator veterano André Dussollier, que interpreta um velho mulherengo que se apaixona por uma completa desconhecida simplesmente por ter encontrado a carteira dela na rua. O elenco do filme inclui algumas das principais estrelas do cinema francês, como Mathieu Amalric, Anne Consigny e Sabine Azéma, esposa de Resnais.

S de Sam Raimi


O diretor de "Homem-Aranha" aproveitou o burburinho do festival para lançar, em sessão especial, "Drag me to hell", que marca seu retorno ao gênero dos filmes de terror depois da série cult de filmes "Evil dead / A morte do demônio". Quem associa Cannes a nomes como Resnais, Haneke ou outros diretores do chamado cinema de arte não imagina que foi justamente Cannes que ajudou a impulsionar a carreira de Raimi no início. "Os franceses foram os únicos que gostaram [de 'Evil dead' na época. Isso puxou outros compradores europeus, até que os americanos viram que os ingleses também estavam comprando e decidiram apostar", contou o diretor em entrevista.

Os atores Bae Doona e Arata em cena de 'Air doll' (Foto: Divulgação)

T de Tóquio


A metrópole japonesa é o cenário de diversas produções exibidas na mostra. Aparece no romântico "Maps of the sounds of Tóquio", de Isabel Coixet, no singelo "Air doll", de Kore-Eda, sobre uma boneca inflável de sexo que ganha vida e decide abandonar o seu dono, e no radical e futurista "Enter the void", do argentino radicado na França Gaspar Noé.

U de 'Un prophète'

Um dos grandes favoritos a vencer a Palma de Ouro deste ano, o longa-metragem do francês Jacques Audiard é um épico de máfia que não deixa nada a dever para os filmes de Martin Scorsese e de Mateo Garrone, premiado no ano passado por "Gomorra". O filme conta a história de um jovem árabe que é enviado para um presídio e se vê forçado a trabalhar para um chefão da máfia da Córsega para garantir sua segurança no local. À medida que vai conquistando a confiança do criminoso, o personagem resolve tentar andar com as próprias pernas e começa a construir sua própria liderança no universo do crime organizado. "Un prophète" não levou a Palma, mas ficou com o prestigioso Grande Prêmio do festival.

V de Vampiros

Perdão aos fãs de "Crepúsculo" e "True blood", mas o título de melhor e mais criativa história de vampiros dos últimos tempos vai para o diretor Park Chan-wook e seu "Thirst" ("Bak-jwi", no original). Na trama, um padre católico se voluntaria para um experimento científico que, por acidente, o transforma em um voraz consumidor de sangue humano. Vivido pelo comediante Song Kang-ho (de "O hospedeiro"), o anti-herói protagoniza cenas nojentas e hilárias, como quando resolve apelar para o estoque de sangue de doação do hospital em vez de sair por aí cravando o dente nas jugulares das pessoas.

W de Woodstock

Um outro Woodstock é possível, como mostrou o diretor Ang Lee em seu primeiro filme de comédia, "Taking Woodstock". Baseado na história real de um jovem almofadinha que resolve promover um evento de música em sua comunidade rural para levantar fundos para pagar a hipoteca do motel em que seus pais trabalham, o longa consegue divertir ao mesmo tempo que escapa aos batidos filmes sobre a geração "sexo, drogas e rock'n'roll". Sem mostrar nenhuma imagem de arquivo ou sequer bandas no palco, o diretor chinês radicado nos EUA mira suas lentes nos bastidores e no público variado de quase 500 mil pessoas que se reuniram durante três dias em uma fazenda de leite em agosto de 1969.

X de Xenofilia

Sem dúvida o mais internacional dos eventos internacionais de cinema, o Festival de Cannes seguiu abrindo espaço para produções vindas dos cinco continentes. Espalhados entre a sessão oficial e as diversas mostras paralelas estavam filmes de diretores russos, romenos, gregos, filipinos, chineses, japoneses, palestinos, iranianos, franceses, italianos, alemães, austríacos, americanos, brasileiros, argentinos... Sem falar na quantidade jornalistas vindos dos mais diversos países para cobrir o festival, considerado o maior evento de mídia do planeta, atrás apenas das Olimpíadas e da Copa do Mundo da Fifa.

Cena de 'Dogtooth', o grande vencedor da mostra paralela 'Un certain regard'. (Foto: Divulgação)

Y de Yorgos Lanthimos


Vencedor do prêmio da mostra paralela Un Certain Regard, "Dogtooth", do diretor grego Yorgos Lanthimos levaria fácil se houvesse também um prêmio para o filme mais maluco da mostra. Tamanha é a criatividade do sujeito, que conseguiu imaginar o bizarro universo de uma família cujos filhos são criados a vida inteira dentro de uma casa totalmente murada, sem contato algum com o mundo externo. Quase adultos na idade, os filhos se comportam como crianças, acreditando nas mentiras e no vocabulário inventados pelos pais sob o pretexto de protegê-los. Zumbis, por exemplo, são "pequenas flores amarelas que crescem no jardim" e gatos são "predadores terríveis, que podem matar e devorar o corpo de uma pessoa em minutos".

Z de Zzzzzz...

Doze dias ininterruptos de festival, mais de 50 filmes exibidos das 8h às 22h, entrevistas, reuniões e eventos. Ao final da maratona de Cannes, não faltavam cinéfilos com olheiras, muitos aproveitando o escurinho do cinema para tentar botar o sono em dia. Que atire o primeiro rolo de filme quem não cochilou nem cinco minutinhos em qualquer uma das sessões do festival.

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