quarta-feira, abril 08, 2009
Política dá o tom no É Tudo Verdade
No ano da mudança, os júris sacralizaram o engajamento, premiando o poderoso Cidadão Boilesen e VJs de Mianmar
Luiz Carlos Merten
Chaim Litewski colocou toda ênfase na palavra - ditadura, e ele acentuou o ?dura?, talvez para reforçar a ideia, ultimamente colocada em circulação, de que o regime militar instalado no Brasil, em 1964, teria sido uma ?ditabranda?. Litewski estava eufórico, sábado à noite, no CineSesc, ao receber a placa atribuída a seu longa Cidadão Boilesen como melhor documentário brasileiro do 14º É Tudo Verdade. O júri que avaliou os concorrentes da competição brasileira do festival de documentários outorgou mais dois prêmios - uma menção honrosa para Corumbiara, de Vincent Carelli, e o prêmio de melhor curta para No Tempo de Miltinho, de André Weller.
Leon Cakoff, o Sr. Mostra de Cinema, integrou o júri que considerou VJs de Mianmar - Notícias de Um País Fechado, do dinamarquês Anders Hogsbro Ostergaard, o melhor documentário da etapa internacional. A premiação foi bem recebida pelo público que lotava a sala da Rua Augusta. Criador do É Tudo Verdade, Amir Labaki comemorava o que chama de ?lado A? do festival em 2009. Em entrevista ao Estado, ele havia dito que há tempos sonhava com uma divisão do É Tudo Verdade para permitir que os filmes pudessem ser vistos por um maior número de espectadores. A decisão ocorre num momento de crise - e recuo de patrocínios - e o próprio Labaki admite que seu orçamento foi comprometido. Ele vai agora a campo, atrás de dinheiro, para mostrar, no segundo semestre, o ?lado B?, formado pelas seções informativas do documentário brasileiro, latino e internacional que o público prestigia há tantos anos. Anteontem, de qualquer maneira, Labaki tinha o que comemorar. Se o objetivo era mostrar os filmes para mais gente, foi plenamente alcançado. A média de frequência dos filmes da competição saltou de 240, em média, por filme, em 2008, para 370, um aumento de mais de 50%.
Único grande festival brasileiro que ocorre em duas grandes capitais, São Paulo e Rio, e tem ingressos gratuitos, É Tudo Verdade celebrou este ano a 9ª Conferência Internacional do Documentário, que contou com a participação do israelense Avi Mograbi, o grande homenageado de 2009. É curioso que Labaki tenha colocado a programação deste ano sob o signo da transição. A própria conferência debateu o documentário engajado, mas, simultaneamente com os filmes dessa tendência, Labaki flagrou um outro movimento. O documentário militante, politizado, que deu o tom nos últimos anos, como reação à política antiterror dos EUA, sob George W. Bush, está passando por uma mudança no alvorecer da era Barack Obama.
Mas, para confirmar que ainda tem força, basta olhar para a premiação de 2009. Os júris nacional e internacional selecionaram filmes de acentuado recorte político, exceto o documentário curta brasileiro, o admirável No Tempo de Miltinho. Numa mensagem endereçada ao festival, Ostergaard disse esperar que o prêmio abra as portas da América Latina para uma obra que possui um significado tão amplo e relevante. VJs de Mianmar documenta a atividade dos videorrepórteres que desafiam a ditadura da antiga Birmânia, onde portar uma câmera pode levar a uma sentença de morte sem julgamento, como ocorreu com o jornalista japonês Kenji Nagai, em 2007. Ostergaard agradeceu aos VJs que confiaram nele, permitindo que usasse seu material.
Litewski, o autor de Cidadão Boilesen, contou como, nos últimos 15 anos, usou dinheiro do próprio bolso e todo tempo disponível para fazer seu documentário premiado. Mas ele descartou que Cidadão Boilesen seja resultado de uma obsessão. Litewski impressionava-se, quando garoto, com a forma como o gás era distribuído em sua cidade, por meio daqueles caminhões, numa operação que, aos seus olhos, parecia militar. Ele tinha 14 anos quando viu a entrevista do empresário dinamarquês Henning Albert Boilesen apoiando a repressão do regime militar. Quando Boilesen foi executado pela guerrilha, Litewski jurou, para si mesmo, que um dia ia tratar do assunto. Achava que escreveria um livro. Fez um documentário, um grande filme. Cidadão Boilesen ainda não tem distribuição. Litewski quer voltar ao filme para ajustar detalhes (dar um acabamento melhor às fotos, corrigir legendas). Ele trabalha na ONU, em Nova York. Sua expectativa é que surjam parceiros para a finalização e distribuição. Por seu exame do financiamento da repressão violenta à luta armada, Cidadão Boilesen dá um testemunho forte sobre um aspecto ainda pouco mapeado do período da ditadura.
Os premiados
DOCUMENTÁRIOS NACIONAIS
Melhor Filme: Cidadão Boilesen, de Chaim Litewski
Menção Honrosa (longa-metragem): Corumbiara, de Vincent Carelli
Melhor Curta-metragem: No Tempo de Miltinho, de André Weller
Menção Honrosa (curta-metragem): Leituras Cariocas, de Consuelo Lins
INTERNACIONAIS
Melhor Filme: VJs de Mianmar - Notícias de um País Fechado, Anders Hogsbro Ostergaard
Menção Honrosa (longa-metragem): Segundas Sangrentas e Tortas de Morango, de Coco Schrijber, e René, de Helena Trestikova
Melhor Curta-metragem: Arrancando a Alma, de Bárbara Klutinis
Menção Honrosa (curta-metragem): Escravos, de Hanna Heilborn e David Aronowitsch, e La Chirola, de Diego Mondaca
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