quinta-feira, abril 09, 2009

Rastros de Ódio - John Ford


Quando se assiste os clássicos western de John Ford, é impossível evitar considerar as relações que existem entre seus filmes e um certo espírito estadunidense, sobretudo quando, além de contextualizar historicamente o roteiro, identifica-se o filme dentro da própria filmografia do cineasta. “Rastros de Ódio” (The Searchers, 1956) narra a incansável busca de dois homens por uma garota sequestrada por uma bárbara comunidade indígena. Ethan Edwards (John Wayne), um veterano do exército confederado -que, portanto, lutou na guerra de independência mas ainda não houve a guerra de secessão-, retorna após muitos anos à casa de seu irmão na região sudoeste dos Estados Unidos. Edwards apresenta duas características importantes: Um inegável preconceito racial em relação à população indígena e, depois da guerra, tornou-se um homem nômade.

Seu conservador preconceito é, certamente, um dos elementos narrativos mais importantes da história uma vez que, ao decidir resgatar sua sobrinha sequestrada pelo Comanche conhecido como “Cicatriz” (ou “Scar”) vê-se obrigado a conviver com Martin Pawley, filho adotivo de seu irmão que é um mestiço. A grande questão que passa então a permear este personagem diz respeito ao dilema relativo à atitude a ser tomada quando a comunidade Comanche for, finalmente, localizada. A destruição da aldeia e dos indígenas belicosos é uma consequência certa. Mas o que fazer com sua sobrinha que, sendo educada pelos índios, teria também ela se tornada um ser bárbaro e incivilizado? O debate sobre o preconceito se estabelece aí de uma forma madura e sutil, uma vez que apresenta os dois lados da situação: a civilizada que tornou-se índia e o indígena que civilizou-se.

De certa forma, o próprio personagem de Ethan Edwards, tendo tornado-se um homem nômade, se aproxime em essência mais duma cultura indígena que da cultura de seus iguais, de forma que suas atitudes muitas vezes refletem seus próprios preconceitos. Numa das primeiras cenas do filme, quando Ethan e um grupo de “rangers” saem pelo solo árido daquela região em busca de algumas vacas roubadas pelos indígenas e, então descobrem que tudo fora uma cilada para afasta-los de suas casas que estariam, neste momento, sendo saqueadas, Ethan não se deixa levar pelo lado passional. Espera, alimenta seu cavalo e da-lhe descanso pois sabe o que os sedentários agricultores desacostumados a distanciar-se de seus lares ignoram: os cavalos, já cansados, não resistiriam ao retorno sem descanso. Ele sabe que não há o que fazer. Assim como os indígenas que ele acusa de serem capazes de montar cavalos mortos e ainda percorrerem uma longa distância com eles, Ethan conhece as limitações de sua montaria.

Ele é também o único personagem que conhece os dialetos dos nativos e, por conhecer as técnicas de sobrevivência destes, parece o único homem apto a seguir com a busca de resgate.
Pawley, por sua vez, aculturado lhe acompanha na busca mesmo tendo motivos a permanecer: Não pertence ao deserto -certamente não é um nômade em essência- e possui um dilema afetivo que lhe prende à terra. Mas ele também continua acompanhando Ethan, não por acreditar ser ele um diferencial na busca por sua irmã mas, antes, pela imprevisibilidade de seu companheiro. Ethan, como um nativo, não pode ser compreendido como um ser previsível. Martin não sabe se deve temer ou agradecer que ele encontre a pobre garota. Em uma das cenas, o veterano chega a tentar mata-la por encontra-la “desumanizada pelos índios”.

“Rastros de Ódio”, mesmo ainda permeado de muitos dos preconceitos em relação aos povos ameríndios herdados dos tempos da expansão ao oeste, mostra o início de uma releitura dos dogmas que fundamentaram o imaginário estadunidense. Aos poucos, nos filmes de Ford, podemos perceber que no sentimento do chamado destino manifesto não apenas o branco anglo-saxão formatam o povo compreendido como escolhido e constituinte da nação americana. O índio e o negro começam a ser compreendidos como parte integrante do todo que fazem dos Estados Unidos um grande país. Isto se evidencia gradualmente em seus filmes, atingindo seu ápice talvez daí a seis anos em “O Homem que matou facínora” (The Man Who Shot Liberty Valance, 1962). As mulheres, igualmente, são dotadas de crescente importância. Em “Rastros de Ódio”, aludindo a uma característica da época, apenas as mulheres sabem ler. Assim, Ford mostra de forma sutil o importante delas na educação das crianças.

Mais que um relato histórico ou um debate dos temas antropológicos de civilização e barbárie, “Rastros de Ódio” é um filme empolgante e de narrativa extremamente bem formatada. Uma das principais obras-primas deste grande mestre que é John Ford.

[Por Eduardo Liron]

2 comentários:

Helena von Villon disse...

Para quem se interessar o filme faz parte da coleção da folha de clássicos e sai nas bancas dia
31/05/09.
Nessa coleção também tem outros clássicos muitos bons como "Cantando na Chuva" e "Casablanca".
A lista completa dos filmes e a data de lançamento pode ser vista nesse link:
http://www.mafiapower.net/colecao-folha-reune-20-classicos-do-cinema/

Murilo Costa disse...

um tanto quanto ingênuo e preconceituoso. mas fantástico como estética e narrativa clássica. ação, drama, bons personagens e bom humor. filmaço.